Entrevista
a José Lourenço, ator/narrador, direção cénica
para a Escola Profissional de Música de Viana
do Castelo,
por Andrea Fernandes e Amália Castro, em 2010
Na
qualidade de encenador, apresentou espetáculos no CCB (recital encenado “Ida e
Volta”), Fundação Calouste Gulbenkian (ópera “La Voix Humaine”), Casa da Música
(proto-opereta “La Leçon de chant eléctromagnétique”), Teatro Municipal
Sá de Miranda (estreia absoluta do conto musical “Como se faz cor-de-laranja”),
Teatro de Vila Real (suite “Marie Galante”), Centro Cultural
Vila Flor (conto musical “A Menina do Mar”), Teatro das Figuras (pasticcio
“A Lição de Offenbach”), Teatro Lethes (ópera cómica “The Boatswain’s
Mate”) e Auditório Lopes-Graça (óperas para marionetas “El Retablo de Maese
Pedro” e “Geneviève de Brabant”).
Paralelamente,
desenvolve atividade como cantor em óperas, oratória e
recitais (cf. http://www.tenorjoselourenco.blogspot.com). Nutre especial
interesse por contos musicais, sendo de registar atuações, na qualidade
de ator, no Teatro Nacional São João “As Aventuras de Pinóquio no País das
Brincadeiras”, Casa da Música “Momo” e Cinemateca Portuguesa “À Luz de Java”.
1. O
conto “Gnomos de Gnu” de Humberto Eco faz-nos reflectir sobre várias temáticas,
tais como a poluição, a destruição de florestas, a ambição e poder político, a
saúde pública, o respeito por outras culturas, entre outras. Que desafios
encontrou ao trazer estas temáticas para o palco?
Trata-se de temáticas muito cruas, objetivas ou, mesmo, hiper-reais... ora, as artes performativas (teatro, música, dança,...), assim como as artes literárias e plásticas (desenho, pintura, escultura,...) procuram abordar a realidade sob o ponto de vista da estética, da poesia e do humor. Por outras palavras, a arte procura fazer-nos viajar para lá do nosso universo tangível com o objectivo de proporcionar-nos novos ângulos de visão sobre ele próprio, tanto do ponto de vista objectivo como subjectivo. Este processo tem uma componente de fruição pura (divertimento) e outra de alargamento dos horizontes intelectuais de cada um. Voltando à pergunta, o principal desafio com que me deparei na companhia da Paula Conceição (assistente de encenação) foi encontrar e sublinhar as vertentes poética e/ou humorística de temáticas aparentemente desprovidas de tais aspectos. O rico imaginário de Umberto Eco e a excelente música de Sérgio Azevedo ajudaram. A importância de que assuntos como os abordados no espectáculo se revestem para o futuro de todos nós foi outra aspecto que me inspirou; não desperdiçar a oportunidade de os abordar junto de um público jovem foi motivante para todos.
2. O
seu contributo para este espectáculo foi muito grande, pois desempenhou funções
de actor, encenador e narrador. Ficou satisfeito com o resultado final? Deu
muito de si neste espectáculo?
Sou um eterno insatisfeito... acho sempre
que há espaço de progressão. Por outro lado, num espectáculo ao vivo com
múltiplas componentes – música, jogo cénico, desenho de luz, maquinaria, som –
nem tudo corre sempre como planeado. Felizmente que o público, desconhecendo o
planeado, não associa certos imprevistos a imprecisões ou enganos!.. Quanto a
desempenhar funções de encenador e actor e é algo a que estou habituado,
envolvendo alguns litros de suor... sob o calor dos projectores. Aproveito para
lembrar que trabalhei com o apoio de uma excelente equipa de criativos: Liliana
Barbosa criou os figurinos dos Gnomos, Paula Conceição foi minha assistente de
encenação e fez a direcção de cena, Nuno Almeida criou o desenho de luz. Sem
eles o espectáculo não teria sido o mesmo.
3. Certamente “os gnominhos” aprenderam imenso consigo ao longo deste trabalho. Aprendeu algo com eles?
Os “gnominhos” reforçaram a minha convicção
de que para desenvolver bem o seu trabalho, um ator necessita conservar alguma
ligação com a infância. Representar equivale a brincar como uma criança,
plenamente imersa nos seus jogos de faz de conta. Recordarei sempre os nossos
“gnominhos” como um exemplo a seguir.
4. Sabemos
que, desde cedo, nutre um grande gosto pela encenação e que já fez várias
produções nesse sentido. É mais fácil trabalhar com crianças ou adultos?
Em geral é mais fácil trabalhar com
profissionais experientes mas, muitas vezes, os adultos não demonstram o mesmo
entusiasmo, energia e dedicação que os cinco “gnomos” com quem trabalhei neste
projecto. Se na história de Umberto Eco é o Explorador Galáctico quem viaja no
espaço, no decorrer deste projecto foram os “gnomos” que nos caíram do céu.
Sendo assim, foi fácil trabalhar com crianças !
5. Qual
é a sensação de estar em cima de um palco a transmitir algo para o público?
Era muito jovem quando pela primeira vez pisei um palco. Passadas
mais de três décadas, continua a tocar-me com a mesma frescura, continua a ser
uma experiência empolgante e gratificante. Trata-se, antes de mais, da
actividade profissional que consigo fazer melhor e, organicamente, me dá mais
prazer (adoro, por exemplo, confundir temporariamente a minha vida, com a vida
dos personagens que me cabe interpretar). Outro prazer que retiro ao
“transmitir algo para o público” deriva da sensação de contribuir para o
desenvolvimento pessoal e felicidade daqueles a quem, porventura, consiga
despertar um sorriso, emocionar, levar uma mensagem ou, tão somente, fazer
sonhar.
6. Os
Gnomos de Gnu são seres muito sábios, pois demonstram plena consciência das
consequências da poluição. Será que em cada cidadão existe um Gnomo de Gnu por
despertar?
Exactamente! Em todos nós existe, em maior ou menor grau,
um gnomo de Gnu que deveria entrar em acção o mais rapidamente possível. Urge
que cada um de nós detecte e reformule comportamentos que em nada contribuem
para o bem estar do planeta. Se cada um de nós tiver este cuidado, sem dúvida,
conseguiremos atingir o objectivo que todos perseguem – viver de maneira
sustentável num mundo melhor.
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