sábado, 2 de outubro de 2010

Música sem Fronteiras em Viana do Castelo




O mar trouxe a Viana do Castelo novos mundos, novas gentes. O porto de mar foi, durante séculos, o mais importante elo de ligação entre os vianenses e outras povoações nos vários continentes. Do e para o norte da Europa, África, Américas e Oriente, os navegadores locais transportaram os mais variados produtos mas, também, intercambiaram artes, ofícios, costumes e tradições, que os enriqueceram culturalmente.
No presente, são sobretudo os espaços e eventos culturais que fomentam o encontro de povos e culturas e trazem esses novos mundos a Viana do Castelo, seja através dos vários festivais anuais aqui organizados, o de Blues, o de Jazz, o de Música Clássica, o de Folclore, o de Teatro ou o de Cinema, seja por iniciativas como a Feira do Livro e da Lusofonia.
 Todos os anos, músicos, compositores, escritores, pintores, actores, são convidados a participar nos referidos certames apresentando os seus trabalhos, dando a conhecer novas formas de imaginar o mundo, outros saberes, diferentes culturas e identidades.
Mas há em Viana do Castelo duas instituições educativas onde várias culturas se encontram diariamente. Refiro-me à Escola Profissional de Música (EPMVC) e à Academia de Música (AMVC) de Viana do Castelo, alicerces culturais da comunidade vianense pela sua reconhecida actividade de formação musical e de organização de eventos, uma vez que, entre os seus professores e alunos contam-se 14 nacionalidades.




Angola, Bielorrússia, Brasil, Cazaquistão, Cuba, Espanha, Estados Unidos da América, França, Irão, Itália, Lituânia, Portugal, Rússia e Ucrânia são os países de origem de educadores e educandos destas duas instituições que partilham as mesmas instalações. Uma “Torre de Babel” onde se ensina/aprende a música erudita, também esta, do mundo.
Como professora da EPMVC, mas principalmente como linguista, fascina-me conviver com esta diversidade de culturas, de natureza de conhecimentos e de tradições. As minhas primeiras surpresas ocorreram na “sala dos professores” onde tanto as saudações entre colegas, como as discussões sobre os vários sistemas de ensino são feitas em várias línguas. Seguiu-se a surpresa da mescla de instrumentos musicais tradicionais de vários países, utilizados principalmente durante as audições para os familiares dos alunos. Lembro, por exemplo, maracas cubanas e cavaquinhos serem usados no mesmo momento musical. Depois, maior surpresa ainda, foi a fácil organização das reuniões de avaliação, onde cerca de 40 professores, usando “um português de muitos sotaques”, se entendem quanto à apreciação do trabalho realizado por cada aluno e, depois, de toda uma turma.
Os tempos livres, ou momentos de convívio, também saem beneficiados. As histórias de mal-entendidos de cariz linguístico fazem os deleites dos vários professores e, este ano, o jantar de Natal das duas instituições foi organizado pelos docentes de origem cubana, dando a conhecer aos pares a sua gastronomia e música tradicional.
Os alunos têm, igualmente, benefícios sociais, culturais e educativos do conhecimento dos percursos de vida dos seus professores, maestros ou mesmo dos seus colegas migrantes, pois descobrem redes de conhecimento muito mais vastas e rapidamente compreendem a nossa condição de cidadãos do mundo.
Há professores de instrumento nas duas instituições, graduados pelos mais reconhecidos conservatórios mundiais, como o de Moscovo, que transmitem aos alunos tudo aquilo que aprenderam com os seus próprios mestres no domínio da interpretação e performance musical. No entanto, o simples descobrir de diferentes formas de nos alimentarmos, de falarmos, de demonstrarmos alegria, tristeza, de comemorarmos as grandes datas, de nos relacionarmos socialmente, já é, de per si, de imensa importância na educação para a cidadania.
Qualquer acesso directo à expressão de outras culturas na fase de desenvolvimento em que os alunos das duas instituições se encontram é uma boa preparação para as exigências do mundo globalizado de hoje.  
De facto, muitos dos professores têm um estatuto especial na Escola/Academia seja pelo seu percurso profissional de sucesso, seja por também assumirem cargos de chefia durante vários anos. A partilha de protagonismo e responsabilidades ajuda ao entendimento e à consideração mútua.
Recordo um casal de professores, ele, durante anos maestro da Orquestra Sinfónica da EPMVC, Miguel del Castillo, cubano, e ela, Tatiana Sajarova de nacionalidade russa, soprano e professora de piano, cuja vida em comum é um retrato da história do mundo no século XX.
Também os grupos musicais que se vão criando dão conta do bom relacionamento profissional entre todos. É o caso do FAM Ensemble, grupo com uma formação variável, mas que integra instrumentistas de várias nacionalidades cujo percurso académico, ou profissional, se encontra ligado à AMVC ou EPMVC e que actua sob a direcção musical do maestro Javier Viceiro de nacionalidade espanhola, ou de outros maestros convidados. É também o caso do Bóreas Quinteto, que para além dos instrumentistas portugueses inclui na sua formação o pianista de origem russa Youri Popov.
Outrora, o mar trazia a Viana do Castelo novos mundos, novas gentes. Hoje, o ensino e a aprendizagem da música, em Viana do Castelo, torna o universo ainda mais UNO.

Mafalda Silva Rego 
in CÔRTE-REAL, Maria de São José (org.), Revista Migrações - Número Temático Música e Migração, Outubro, 2010, n.º 7, Lisboa: ACIDI, pp. 279-280

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