O mar trouxe a Viana
do Castelo novos mundos, novas gentes. O porto de mar foi, durante séculos, o
mais importante elo de ligação entre os vianenses e outras povoações nos vários
continentes. Do e para o norte da Europa, África, Américas e Oriente, os navegadores
locais transportaram os mais variados produtos mas, também, intercambiaram
artes, ofícios, costumes e tradições, que os enriqueceram culturalmente.
No presente, são sobretudo
os espaços e eventos culturais que fomentam o encontro de povos e culturas e
trazem esses novos mundos a Viana do Castelo, seja através dos vários festivais
anuais aqui organizados, o de Blues, o de Jazz, o de Música Clássica, o de
Folclore, o de Teatro ou o de Cinema, seja por iniciativas como a Feira do
Livro e da Lusofonia.
Todos os anos,
músicos, compositores, escritores, pintores, actores, são convidados a
participar nos referidos certames apresentando os seus trabalhos, dando a
conhecer novas formas de imaginar o mundo, outros saberes, diferentes culturas
e identidades.
Mas há em Viana do
Castelo duas instituições educativas onde várias culturas se encontram
diariamente. Refiro-me à Escola Profissional de Música (EPMVC) e à Academia de
Música (AMVC) de Viana do Castelo, alicerces culturais da comunidade vianense
pela sua reconhecida actividade de formação musical e de organização de
eventos, uma vez que, entre os seus professores e alunos contam-se 14
nacionalidades.
Angola, Bielorrússia,
Brasil, Cazaquistão, Cuba, Espanha, Estados Unidos da América, França, Irão, Itália, Lituânia, Portugal, Rússia
e Ucrânia são os países de origem de educadores e educandos destas duas
instituições que partilham as mesmas instalações. Uma “Torre de Babel” onde se
ensina/aprende a música erudita, também esta, do mundo.
Como professora da EPMVC,
mas principalmente como linguista, fascina-me conviver com esta diversidade de
culturas, de natureza de conhecimentos e de tradições. As minhas primeiras
surpresas ocorreram na “sala dos professores” onde tanto as saudações entre
colegas, como as discussões sobre os vários sistemas de ensino são feitas em
várias línguas. Seguiu-se a surpresa da mescla de instrumentos musicais
tradicionais de vários países, utilizados principalmente durante as audições
para os familiares dos alunos. Lembro, por exemplo, maracas cubanas e
cavaquinhos serem usados no mesmo momento musical. Depois, maior surpresa
ainda, foi a fácil organização das reuniões de avaliação, onde cerca de 40
professores, usando “um português de muitos sotaques”, se entendem quanto à
apreciação do trabalho realizado por cada aluno e, depois, de toda uma turma.
Os tempos livres, ou
momentos de convívio, também saem beneficiados. As histórias de mal-entendidos
de cariz linguístico fazem os deleites dos vários professores e, este ano, o
jantar de Natal das duas instituições foi organizado pelos docentes de origem
cubana, dando a conhecer aos pares a sua gastronomia e música tradicional.
Os alunos têm,
igualmente, benefícios sociais, culturais e educativos do conhecimento dos percursos
de vida dos seus professores, maestros ou mesmo dos seus colegas migrantes,
pois descobrem redes de conhecimento muito mais vastas e rapidamente
compreendem a nossa condição de cidadãos do mundo.
Há professores de
instrumento nas duas instituições, graduados pelos mais reconhecidos
conservatórios mundiais, como o de Moscovo, que transmitem aos alunos tudo aquilo
que aprenderam com os seus próprios mestres no domínio da interpretação e
performance musical. No entanto, o simples descobrir de diferentes formas de
nos alimentarmos, de falarmos, de demonstrarmos alegria, tristeza, de
comemorarmos as grandes datas, de nos relacionarmos socialmente, já é, de per
si, de imensa importância na educação para a cidadania.
Qualquer acesso
directo à expressão de outras culturas na fase de desenvolvimento em que os
alunos das duas instituições se encontram é uma boa preparação para as
exigências do mundo globalizado de hoje.
De facto, muitos dos
professores têm um estatuto especial na Escola/Academia seja pelo seu percurso
profissional de sucesso, seja por também assumirem cargos de chefia durante
vários anos. A partilha de protagonismo e responsabilidades ajuda ao
entendimento e à consideração mútua.
Recordo um casal de
professores, ele, durante anos maestro da Orquestra Sinfónica da EPMVC, Miguel
del Castillo, cubano, e ela, Tatiana Sajarova de nacionalidade russa, soprano e
professora de piano, cuja vida em comum é um retrato da história do mundo no
século XX.
Também os grupos
musicais que se vão criando dão conta do bom relacionamento profissional entre
todos. É o caso do FAM Ensemble, grupo com uma formação variável, mas que
integra instrumentistas de várias nacionalidades cujo percurso académico,
ou profissional, se encontra ligado à AMVC ou EPMVC e que actua sob a direcção
musical do maestro Javier Viceiro de nacionalidade espanhola, ou de outros
maestros convidados. É também o caso do Bóreas Quinteto, que para além dos
instrumentistas portugueses inclui na sua formação o pianista de origem russa
Youri Popov.
Outrora, o mar trazia
a Viana do Castelo novos mundos, novas gentes. Hoje, o ensino e a aprendizagem
da música, em Viana do Castelo, torna o universo ainda mais UNO.
Mafalda Silva Rego
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