terça-feira, 28 de maio de 2013

Entrevista ao professor Barry Cooper, 2013

Entrevista ao professor Barry Cooper, musicólogo, compositor, organista, especialista em Ludwig Van Beethoven e editor de Beethoven Compendium.

Barry Cooper estudou música na Universidade de Oxford e é, desde 2003, professor da Universidade de Manchester. Tornou-se especialmente conhecido pelos seus estudos sobre Beethoven, tendo editado vários livros sobre o compositor.   


Bárbara Barros, Maria Inês Ferreira e Sara Lima, maio 2013, Escola Profissional de Música de Viana do Castelo


  1 – Quais foram os mais importantes momentos do seu percurso musical?

Havia um piano em casa e quando eu tinha cerca de quatro anos comecei a tocar melodias de ouvido. Na altura, a minha mãe perguntou-me se eu gostaria de aprender a tocar piano “como deve ser” e eu aceitei. Depois, ela disse: “Então vamos visitar a nossa vizinha!” e eu pensei: “Isso faz sentido, porque a mãe ensina-me a ler, mas como a música é um pouco mais complicada tenho de avançar uma porta”! E assim aconteceu. Tive uma muito boa professora de piano que visitava quatro vezes por semana para alguns minutos aula.
Mais tarde, porque gostava de cantar e porque o meu irmão se juntou ao coro de uma igreja decidi também o fazer, apesar de ainda ser demasiado novo. Na verdade, fui o corista mais jovem que eles tiveram, mas não tinha boa voz.
Depois, tentei juntar-me ao coro de uma catedral importante e eles fizeram-me testes de apetência musical, de ritmo e de voz. Apesar de ser muito musical, e de ter conhecimentos musicais, continuava a não ter voz para cantar.
Perguntei se não poderiam treinar a minha voz e eles disseram que sim, mas precisavam de “algo” por onde começar! Foi aí que compreendi que a minha voz “nem tinha por onde começar”!
De seguida, aprendi a tocar órgão na escola e foi assim que entrei no mundo da música. Também comecei a compor, na verdade, estava muito interessado na composição... 
Quando eu tinha sete anos descobri que Mozart tinha escrito uma peça que eu estava tocar aos seis, então pensei que já estava atrasado e por isso deveria começar! As minhas composições não eram boas, mas compus muitas peças nessa altura.
Mais tarde consegui uma bolsa de estudo para estudar música numa escola pública. Por essa razão, não tive de estudar outras disciplinas que eu até considerava difíceis como química ou história. Depois entrei na Universidade de Oxford onde continuei os meus estudos musicais e foi aí que finalmente senti que estava no sítio certo. Foi na Universidade que me senti um verdadeiro músico por estar rodeado por pessoas que pensavam da mesma forma que eu.
Foi nessa altura que comecei a interessar-me por História da Música e por Musicologia e, por isso, comecei a fazer algum trabalho de investigação.
Na Universidade conheci dois muito bons especialistas em Beethoven que me ensinaram a fazer investigação e me incentivaram a procurar manuscritos. Participei também num seminário em Londres e escrevi um artigo sobre Beethoven que foi publicado. A partir daí, os editores começaram a enviar-me livros sobre Beethoven, às vezes até em alemão! E foi assim que tudo começou… pensei: “Devem achar que sou uma especialista em Beethoven, por isso mais vale tentar tornar-me num”!
Beethoven já era um dos meus compositores favoritos, mas só nesta altura comecei a fazer trabalho mais sério de investigação. O seminário era sobre a Sinfonia Heróica e eu decidi investigar sobre como é que esta sinfonia tinha sido escrita e descobri que este tipo de investigação ainda não tinha sido feito. Na altura eu pensava, como muitas pessoas pensam, que tudo estaria estudado sobre Beethoven, mas não é assim. 
Havia milhares de páginas de rascunhos todos misturados que não tinham sido estudados e muitos nem olhados. Então, pensei: “Isto vai manter-me ocupado durante bastantes anos, na verdade, vai ocupar várias pessoas durante alguns anos…” e foi este tipo de investigação que fui fazendo ao longo do resto da minha vida.
Antes de estudar Beethoven também já tinha investigado outros compositores, como por exemplo Albertus Bryne, mas quando contava o que estava a fazer, as pessoas perguntavam-me quem era Albertus Bryne! A partir do momento em que comecei a estudar Beethoven, a minha investigação começou a despertar a atenção de muitas pessoas interessadas em saber aquilo que eu ia descobrindo.  





2 - Na sua opinião o que torna Beethoven no último dos Clássicos e no primeiro dos Românticos?


  Eu não tenho a certeza de que ele é, mas pode-se defender essa ideia. Se pensarmos nos géneros que ele cultiva como as sonatas ou as sinfonias, ele está ainda ligado à tradição de Mozart. Ele escreve sonatas para piano durante quase toda a sua vida, mas por volta da década de 20 do século XIX, isto já não estava na moda, poucos escreviam sonatas para piano.
As sinfonias eram escritas à dúzia nos anos no final do século XVIII, mas em 1820 isso já não acontecia. Assim visto, ele pertence ao período clássico uma vez que o género musical cultivado é uma herança clássica. Ele não escreveu muitos momentos musicais e poemas sinfónicos.
Ele é claramente clássico tendo em conta aquilo que produz, mas por outro lado, ele parece estar a criar uma nova forma de composição que vigora desde então (não só para os românticos) em que o compositor é visto como um grande artista.
Ele diz que gostaria de se tornar um artista e refere-se constantemente ao seu trabalho como a sua Arte. Beethoven vê-se como uma espécie de equivalente musical a Shakespeare ou Michelangelo, e por isso coloca a música num novo patamar, como uma arte ao lado de qualquer outra. Este tipo de visão continuou ao longo do período romântico.
Beethoven também colocou muitas das suas emoções pessoais na música, algo que os primeiros compositores não faziam de forma tão óbvia, por isso, é mais expressiva. Conseguimos perceber muito mais sobre a sua personalidade do que com outros compositores anteriores.    
Penso que é difícil perceber a personalidade de Haendel pelos seus concertos, mas com Beethoven sente-se muito mais a sua energia, dinâmica e intensidade e, nesse aspeto, serviu de modelo para os compositores que se seguiram.
Estes diziam que Beethoven tinha escrito as sonatas e quartetos tão bem que não poderiam escrever mais desses… na verdade, Brahms e Schumann estavam um pouco relutantes em escrever quartetos e sinfonias porque achavam que os iam comparar a Beethoven. No entanto, compositores como Liszt, Brahms e Schumann inspiraram-se nessa forma de exprimir sentimentos pessoais embora de forma diferente.


3 - Fale-nos um pouco do projeto de conclusão/reconstrução da fragmentária 10ª sinfonia de Beethoven.

A sinfonia inacabada... O projeto iniciou quando eu estava a escrever um livro sobre o processo criativo de Beethoven. Queria perceber como é que ele compunha e, por isso, estava a olhar para milhares de rascunhos diferentes.
Em Berlim, encontrei rascunhos onde se podia ler: “aqui violinos”, “aqui cordas”, “aqui madeiras”, “fim do primeiro andamento”, “com esta sinfonia teremos outro concerto”.
Na altura começaram a perguntar-me se não estaríamos perante a lendária 10ª sinfonia e eu estava bastante convencido disso, só não sabia se convenceria mais alguém!
Depois continuei a minha investigação lendo Carl Czerny, amigo e aluno de Beethoven. Este escreveu que ele tocava a 10ª sinfonia ao piano e que se tratava de um trabalho pouco usual, porque começava de forma lenta em Mi bemol Maior e depois continuava para uma parte mais rápida em Dó menor e isso era realmente estranho. No entanto, era isso mesmo que eu encontrava nos rascunhos que estava a estudar.
Para mim este testemunho provava que estava perante a 10ª sinfonia. Nessa mesma altura, a Beethoven House encontrou mais rascunhos do mesmo andamento e também sustentava a mesma ideia.
Assim, decidi começar a organizar os vários fragmentos encontrados. Apesar de terem dito na altura que eu tinha descoberto uma nova sinfonia, não foi assim que eu vi o que aconteceu. Eu não descobri uma sinfonia, eu juntei e ordenei os vários fragmentos encontrados e tive de criar o que estava em falta.
Isto significa que hoje podemos ouvir estes fragmentos escritos por Beethoven no contexto certo, em vez de apenas imaginar como seria. Fosse qual fosse a intenção de Beethoven, de certeza que não gostaria que ouvíssemos apenas pequenos fragmentos da sua obra.
Para mim, trata-se de um trabalho muito parecido ao de um paleontologista que descobre alguns ossos de dinossauro, mas que na verdade gostaria de ver como é que seria esse dinossauro e, a partir desses ossos, tenta, através da sua visão artística, recriar aquilo que poderá ter sido o dinossauro.
Podem perguntar-lhe: “Como sabes que o dinossauro não tinha duas cabeças?”, “Bom, os outros dinossauros não tinham duas cabeças, por isso essa hipótese é improvável” e assim assume que teria uma. Isto também acontece com os rascunhos… perguntam-me “Mas como é que sabe que esta parte é no fim?” e eu respondo: “Seria improvável que Beethoven colocasse isso no meio”… e assim fui trabalhando de acordo com o que era característico no compositor.
É como se tivéssemos um puzzle com apenas algumas peças, mas não queremos olhar para cada peça de forma individual, queremos tentar perceber como é o puzzle todo, e então imaginámos como seria se estivessem todas as peças de acordo com o que seria mais habitual. Num puzzle nunca colocaríamos o céu na parte inferior, por exemplo.
Eu deixei claro que tinha reconstruido a peça, que não a tinha orquestrado. Antes de morrer, Beethoven recebeu dinheiro da Sociedade Filarmónica de Londres 100 libras. Eles souberam que ele estava doente e que precisava de dinheiro e enviaram-lhe essa quantia. Sabemos que existia uma 10ª sinfonia porque ele escreveu à Filarmónica agradecendo o dinheiro e perguntando se desejavam uma nova sinfonia, que ainda estava na sua secretária. Ele não disse que estava acabada, mas percebemos que já existia.
Por isso, quando a reconstruí, a Sociedade Filarmónica, que agora se chama Royal Philharmonic, telefonou-me e disse-me “Podemos reaver a nossa sinfonia?” eu expliquei-lhes que não se tratava da 10ª sinfonia, mas que seria o mais parecido possível. Eles insistiram em ter a estreia em Londres e assim foi. Já foi tocada algumas vezes.
Recentemente, uma vez que um amigo a queria editar, voltei a rever os manuscritos. Acrescentei-lhe também algumas notas e, provavelmente, será editada ainda este ano, pela Universal Edition, de Viena.
Estou neste momento a rever as provas finais. Assim, se tudo correr bem, teremos uma nova edição da 10ª sinfonia de Beethoven, ligeiramente diferente, mais refinada, mas basicamente a mesma peça. No entanto, tenho de voltar a dizer que se trata apenas de uma reconstrução, não é Beethoven puro. É apenas a visão de um artista, a visão de um outro poderá ser diferente.

4 - Quais são as principais caraterísticas rítmicas, melódicas e harmónicas utilizadas por Beethoven?

  A música de Beethoven tinha bastantes caraterísticas típicas.
Para começar, ele é muito variado. Todas as peças são diferentes, pensemos por exemplo na 9ª sinfonia. Antes de encontrar a 10ª sinfonia nunca pensei descobrir uma obra que pudesse ser diferente das outras nove, mas encontrei isso mesmo.
Beethoven também gostava de usar bastante a tonalidade de Dó menor. Se se trata de uma tonalidade menor, há 50% de hipóteses de ser Dó menor e em termos de características rítmicas gostava de ter muitos acentos rítmicos.
Outra das coisas de que gostava são as codas longas, que serviam para apresentar outras ideias musicais. Ele gostava de prolongar as formas.
Os seus trabalhos eram cada vez maiores como a Sinfonia Heróica  por exemplo, muito maior do que qualquer outro trabalho anterior.
Posteriormente, Beethoven passou a estar muito mais interessado em fazer composição polifónica, por isso, cada nota não é só harmonia ou melodia, é ambas. Por vezes ele faz isso como forma de acompanhamento, mas cada vez mais, torna o acompanhamento em algo muito interessante. Então, pensámos: “Isto é apenas um elemento decorativo”, mas esse pequeno apontamento torna-se o motivo principal da peça.

5 - O que pensa sobre o trabalho realizado na nossa escola e noutras semelhantes?


  Vocês sabem mais sobre o trabalho realizado nesta escola do que eu, mas acho uma excelente ideia ter uma escola de música onde se pode aprender desta forma. Nós não temos nada parecido em Inglaterra.  
Temos algumas escolas especializadas em música, mas nada como isto. Acho que o trabalho que aqui realizam é admirável, uma vez que a instrução da música está a par das outras disciplinas e os alunos não têm de ser excecionalmente dotados para terem oportunidade de aprender música.


É extraordinário o que alguém moderadamente talentoso pode aprender se trabalhar muito, tornando-se num músico fantástico, por isso, esta ideia é maravilhosa, e esta Escola é muito meritória.

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