Entrevista ao professor Barry Cooper, musicólogo, compositor, organista, especialista em Ludwig Van Beethoven e editor de Beethoven Compendium.
Barry Cooper estudou música na Universidade de Oxford e é, desde 2003, professor da Universidade de Manchester. Tornou-se especialmente conhecido pelos seus estudos sobre Beethoven, tendo editado vários livros sobre o compositor.
Barry Cooper estudou música na Universidade de Oxford e é, desde 2003, professor da Universidade de Manchester. Tornou-se especialmente conhecido pelos seus estudos sobre Beethoven, tendo editado vários livros sobre o compositor.
Bárbara Barros, Maria Inês Ferreira e Sara Lima, maio 2013, Escola Profissional de Música de Viana do Castelo
1 – Quais
foram os mais importantes momentos do seu percurso musical?
Havia um piano em
casa e quando eu tinha cerca de quatro anos comecei a tocar melodias de
ouvido. Na altura, a minha mãe perguntou-me se eu gostaria de aprender a tocar
piano “como deve ser” e eu aceitei. Depois, ela disse: “Então vamos visitar a
nossa vizinha!” e eu pensei: “Isso faz sentido, porque a mãe ensina-me a ler,
mas como a música é um pouco mais complicada tenho de avançar uma porta”! E
assim aconteceu. Tive uma muito boa professora de piano que visitava quatro
vezes por semana para alguns minutos aula.
Mais tarde, porque gostava de cantar e porque
o meu irmão se juntou ao coro de uma igreja decidi também o fazer, apesar de
ainda ser demasiado novo. Na verdade, fui o corista mais jovem que eles
tiveram, mas não tinha boa voz.
Depois, tentei
juntar-me ao coro de uma catedral importante e eles fizeram-me testes de
apetência musical, de ritmo e de voz. Apesar de ser muito musical, e de ter
conhecimentos musicais, continuava a não ter voz para cantar.
Perguntei se não
poderiam treinar a minha voz e eles disseram que sim, mas precisavam de “algo”
por onde começar! Foi aí que compreendi que a minha voz “nem tinha por
onde começar”!
De seguida, aprendi a
tocar órgão na escola e foi assim que entrei no mundo da música. Também comecei
a compor, na verdade, estava muito interessado na composição...
Quando eu tinha sete anos descobri que Mozart tinha escrito uma peça que eu estava tocar aos seis, então pensei que já estava atrasado e por isso deveria começar! As minhas composições não eram boas, mas compus muitas peças nessa altura.
Quando eu tinha sete anos descobri que Mozart tinha escrito uma peça que eu estava tocar aos seis, então pensei que já estava atrasado e por isso deveria começar! As minhas composições não eram boas, mas compus muitas peças nessa altura.
Mais tarde consegui
uma bolsa de estudo para estudar música numa escola pública. Por essa razão,
não tive de estudar outras disciplinas que eu até considerava difíceis como
química ou história. Depois entrei na Universidade de Oxford onde continuei os
meus estudos musicais e foi aí que finalmente senti que estava no sítio certo.
Foi na Universidade que me senti um verdadeiro músico por estar rodeado por
pessoas que pensavam da mesma forma que eu.
Foi nessa altura que
comecei a interessar-me por História da Música e por Musicologia e, por isso,
comecei a fazer algum trabalho de investigação.
Na Universidade conheci
dois muito bons especialistas em Beethoven que me ensinaram a fazer
investigação e me incentivaram a procurar manuscritos. Participei também num
seminário em Londres e escrevi um artigo sobre Beethoven que foi publicado. A
partir daí, os editores começaram a enviar-me livros sobre Beethoven, às vezes
até em alemão! E foi assim que tudo começou… pensei: “Devem achar que sou uma
especialista em Beethoven, por isso mais vale tentar tornar-me num”!
Beethoven já era um
dos meus compositores favoritos, mas só nesta altura comecei a fazer trabalho
mais sério de investigação. O seminário era sobre a Sinfonia Heróica e eu
decidi investigar sobre como é que esta sinfonia tinha sido escrita e descobri
que este tipo de investigação ainda não tinha sido feito. Na altura eu pensava,
como muitas pessoas pensam, que tudo estaria estudado sobre Beethoven, mas não
é assim.
Havia milhares de
páginas de rascunhos todos misturados que não tinham sido estudados e muitos
nem olhados. Então, pensei: “Isto vai manter-me ocupado durante bastantes anos,
na verdade, vai ocupar várias pessoas durante alguns anos…” e foi este tipo de
investigação que fui fazendo ao longo do resto da minha vida.
Antes de estudar
Beethoven também já tinha investigado outros compositores, como por exemplo Albertus
Bryne, mas quando contava o que estava a fazer, as pessoas perguntavam-me quem
era Albertus Bryne! A partir do momento em que comecei a estudar Beethoven,
a minha investigação começou a despertar a atenção de muitas pessoas interessadas
em saber aquilo que eu ia descobrindo.
2 - Na sua opinião o que torna Beethoven no último dos Clássicos e no primeiro dos Românticos?
2 - Na sua opinião o que torna Beethoven no último dos Clássicos e no primeiro dos Românticos?
Eu não tenho a certeza de que ele é, mas
pode-se defender essa ideia. Se pensarmos nos géneros que ele cultiva como as
sonatas ou as sinfonias, ele está ainda ligado à tradição de Mozart. Ele
escreve sonatas para piano durante quase toda a sua vida, mas por volta da
década de 20 do século XIX, isto já não estava na moda, poucos escreviam
sonatas para piano.
As sinfonias eram
escritas à dúzia nos anos no final do século XVIII, mas em 1820 isso já não
acontecia. Assim visto, ele pertence ao período clássico uma vez que o género
musical cultivado é uma herança clássica. Ele não escreveu muitos momentos musicais e poemas sinfónicos.
Ele é claramente
clássico tendo em conta aquilo que produz, mas por outro lado, ele parece estar
a criar uma nova forma de composição que vigora desde então (não só para os
românticos) em que o compositor é visto como um grande artista.
Ele diz que gostaria
de se tornar um artista e refere-se constantemente ao seu trabalho como a sua Arte.
Beethoven vê-se como uma espécie de equivalente musical a Shakespeare ou Michelangelo,
e por isso coloca a música num novo patamar, como uma arte ao lado de qualquer
outra. Este tipo de visão continuou ao longo do período romântico.
Beethoven também
colocou muitas das suas emoções pessoais na música, algo que os primeiros
compositores não faziam de forma tão óbvia, por isso, é mais expressiva. Conseguimos
perceber muito mais sobre a sua personalidade do que com outros compositores
anteriores.
Penso que é difícil
perceber a personalidade de Haendel pelos seus concertos, mas com Beethoven sente-se
muito mais a sua energia, dinâmica e intensidade e, nesse aspeto, serviu de
modelo para os compositores que se seguiram.
Estes diziam que Beethoven
tinha escrito as sonatas e quartetos tão bem que não poderiam escrever mais
desses… na verdade, Brahms e Schumann estavam um pouco relutantes em escrever
quartetos e sinfonias porque achavam que os iam comparar a Beethoven. No
entanto, compositores como Liszt, Brahms e Schumann inspiraram-se nessa forma
de exprimir sentimentos pessoais embora de forma diferente.
3 - Fale-nos um pouco do projeto de conclusão/reconstrução da fragmentária 10ª sinfonia de Beethoven.
3 - Fale-nos um pouco do projeto de conclusão/reconstrução da fragmentária 10ª sinfonia de Beethoven.
A sinfonia inacabada... O projeto iniciou quando
eu estava a escrever um livro sobre o processo criativo de Beethoven. Queria
perceber como é que ele compunha e, por isso, estava a olhar para milhares de rascunhos
diferentes.
Em Berlim, encontrei rascunhos
onde se podia ler: “aqui violinos”, “aqui cordas”, “aqui madeiras”, “fim do
primeiro andamento”, “com esta sinfonia teremos outro concerto”.
Na altura começaram a
perguntar-me se não estaríamos perante a lendária 10ª sinfonia e eu estava
bastante convencido disso, só não sabia se convenceria mais alguém!
Depois continuei a
minha investigação lendo Carl Czerny,
amigo e aluno de Beethoven. Este escreveu que ele tocava a 10ª sinfonia ao
piano e que se tratava de um trabalho pouco usual, porque começava de forma
lenta em Mi bemol Maior e depois continuava para uma parte mais rápida em Dó menor
e isso era realmente estranho. No entanto, era isso mesmo que eu encontrava nos
rascunhos que estava a estudar.
Para mim este
testemunho provava que estava perante a 10ª sinfonia. Nessa mesma altura, a Beethoven
House encontrou mais rascunhos do mesmo andamento e também sustentava a mesma
ideia.
Assim, decidi começar
a organizar os vários fragmentos encontrados. Apesar de terem dito na altura que
eu tinha descoberto uma nova sinfonia, não foi assim que eu vi o que aconteceu.
Eu não descobri uma sinfonia, eu juntei e ordenei os vários fragmentos
encontrados e tive de criar o que estava em falta.
Isto significa que
hoje podemos ouvir estes fragmentos escritos por Beethoven no contexto certo,
em vez de apenas imaginar como seria. Fosse qual fosse a intenção de Beethoven,
de certeza que não gostaria que ouvíssemos apenas pequenos fragmentos da sua
obra.
Para mim, trata-se de
um trabalho muito parecido ao de um paleontologista que descobre alguns ossos
de dinossauro, mas que na verdade gostaria de ver como é que seria esse
dinossauro e, a partir desses ossos, tenta, através da sua visão artística,
recriar aquilo que poderá ter sido o dinossauro.
Podem perguntar-lhe:
“Como sabes que o dinossauro não tinha duas cabeças?”, “Bom, os outros
dinossauros não tinham duas cabeças, por isso essa hipótese é improvável” e
assim assume que teria uma. Isto também acontece com os rascunhos… perguntam-me
“Mas como é que sabe que esta parte é no fim?” e eu respondo: “Seria improvável
que Beethoven colocasse isso no meio”… e assim fui trabalhando de acordo com o
que era característico no compositor.
É como se tivéssemos
um puzzle com apenas algumas peças, mas não queremos olhar para cada peça de
forma individual, queremos tentar perceber como é o puzzle todo, e então
imaginámos como seria se estivessem todas as peças de acordo com o que seria
mais habitual. Num puzzle nunca colocaríamos o céu na parte inferior, por
exemplo.
Eu deixei claro que
tinha reconstruido a peça, que não a tinha orquestrado. Antes de morrer,
Beethoven recebeu dinheiro da Sociedade Filarmónica de Londres 100 libras. Eles
souberam que ele estava doente e que precisava de dinheiro e enviaram-lhe essa
quantia. Sabemos que existia uma 10ª sinfonia porque ele escreveu à Filarmónica
agradecendo o dinheiro e perguntando se desejavam uma nova sinfonia, que ainda
estava na sua secretária. Ele não disse que estava acabada, mas percebemos que
já existia.
Por isso, quando a
reconstruí, a Sociedade Filarmónica, que agora se chama Royal Philharmonic,
telefonou-me e disse-me “Podemos reaver a nossa sinfonia?” eu expliquei-lhes
que não se tratava da 10ª sinfonia, mas que seria o mais parecido possível.
Eles insistiram em ter a estreia em Londres e assim foi. Já foi tocada algumas
vezes.
Recentemente, uma vez
que um amigo a queria editar, voltei a rever os manuscritos. Acrescentei-lhe
também algumas notas e, provavelmente, será editada ainda este ano, pela Universal
Edition, de Viena.
Estou neste momento a
rever as provas finais. Assim, se tudo correr bem, teremos uma nova edição da
10ª sinfonia de Beethoven, ligeiramente diferente, mais refinada, mas
basicamente a mesma peça. No entanto, tenho de voltar a dizer que se trata
apenas de uma reconstrução, não é Beethoven puro. É apenas a visão de um
artista, a visão de um outro poderá ser diferente.
4 - Quais são as principais caraterísticas rítmicas, melódicas e harmónicas utilizadas por Beethoven?
4 - Quais são as principais caraterísticas rítmicas, melódicas e harmónicas utilizadas por Beethoven?
A música de Beethoven tinha bastantes caraterísticas
típicas.
Para começar, ele é
muito variado. Todas as peças são diferentes, pensemos por exemplo na 9ª
sinfonia. Antes de encontrar a 10ª sinfonia nunca pensei descobrir uma obra que
pudesse ser diferente das outras nove, mas encontrei isso mesmo.
Beethoven também gostava
de usar bastante a tonalidade de Dó menor. Se se trata de uma tonalidade menor,
há 50% de hipóteses de ser Dó menor e em termos de características rítmicas
gostava de ter muitos acentos rítmicos.
Outra das coisas de
que gostava são as codas longas, que
serviam para apresentar outras ideias musicais. Ele gostava de prolongar as
formas.
Os seus trabalhos eram
cada vez maiores como a Sinfonia Heróica por exemplo, muito maior do que
qualquer outro trabalho anterior.
Posteriormente, Beethoven
passou a estar muito mais interessado em fazer composição polifónica, por isso,
cada nota não é só harmonia ou melodia, é ambas. Por vezes ele faz isso como
forma de acompanhamento, mas cada vez mais, torna o acompanhamento em algo
muito interessante. Então, pensámos: “Isto é apenas um elemento decorativo”, mas
esse pequeno apontamento torna-se o motivo principal da peça.
5 - O que pensa sobre o trabalho realizado na nossa escola e noutras semelhantes?
5 - O que pensa sobre o trabalho realizado na nossa escola e noutras semelhantes?
Vocês sabem mais sobre o trabalho realizado
nesta escola do que eu, mas acho uma excelente ideia ter uma escola de música onde
se pode aprender desta forma. Nós não temos nada parecido em Inglaterra.
Temos algumas escolas
especializadas em música, mas nada como isto. Acho que o trabalho que aqui
realizam é admirável, uma vez que a instrução da música está a par das outras
disciplinas e os alunos não têm de ser excecionalmente dotados para terem
oportunidade de aprender música.
É extraordinário o que
alguém moderadamente talentoso pode aprender se trabalhar muito, tornando-se num
músico fantástico, por isso, esta ideia é maravilhosa, e esta Escola é muito
meritória.
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