Olho em redor e é tal a
beleza da Praça que me rodeia, que não hesito: ficarei mais um pouco, para
explorar, para entender a beleza destas pedras dos Paços do Concelho que me transportam
ao passado. O belo Chafariz… A Misericórdia… Subo lesto os curtos degraus nas
traseiras dos Paços do Concelho. Vislumbro de imediato, o que me trouxe aqui,
sem pensar, sem querer, movido apenas por algo que não se explica em palavras…
No principio… Como seria no princípio? Eis a resposta, pelo menos uma pista. Os restos, pedras,
falam da muralha que cercava a cidade. Aquelas pedras contam-me histórias com
cheiro a mar, mas com suor, com lágrimas, com gritos de revolta e com pregões.
Dentro desta muralha
viveram cavaleiros, frades, pescadores, oleiros, almocreves, ferreiros,
sapateiros. Miúdos sujos correm por entre o pescado, o pão, o vinho, o azeite,
a cera, cervos e gamos. Há ainda as bruxas, essas criaturas mágicas que parecem
mulheres e trazem brincos nas orelhas! Devem ter apanhado as uvas há pouco pois
foi grande o alvoroço quando cheguei,
Que grande trambolhão!
Entusiasmado, aproximei-me perigosamente da muralha e caí, sim caí mas sem dor
e agora envergonho-me sob os olhares meio divertidos que me lançam. Devem ter
apanhado as uvas há pouco e pisaram-nas certamente, pois mergulhei numa mistura
mal cheirosa e pegajosa. Fiquei preto de repente. Todos, homens, mulheres e
crianças, fitam-me como que esperando algo. Não é medo que lhes leio no olhar…Num
rasto de poeira, vejo que me atiçam os cães lazarentos e esfomeados. A Praça
não é mais a bela Praça que me acolheu numa noite calma de verão. É um lugar
tosco e cruel com armas, cestos, cães, bruxas, procissões esquisitas. Procuro
um lugar seguro e só me resta um caldeirão que dois homens vesgos esvaziaram
entre jarras de vinho. Os cães?
Os cães? Perderam-me o
rasto. Aproxima-se uma bruxa e rapidamente concluo que os dentistas fariam bom
negócio com a bruxaria que me rodeia ! Arreda! Arreda!
-Sim? É tarde. Sim muito obrigado. Devia estar
a dormir. E só um arranhão.
Sim, percebo que é
perigoso. Obrigado. Está tudo bem.
Acordado de tão grande
pesadelo, olho em volta. O belo Chafariz continua no mesmo sítio, a
Misericórdia, até o Caramuru continua de rabo ao léu, ignorando completamente
esta minha viagem ao passado. Ele também deve ter das boas para contar…
Maria Luísa Couto, 2013
Desde sempre que o nosso destino está
traçado. Alguns aceitam-no tal como ele é, outros fazem de tudo para seguir o
seu próprio caminho.
Eu sou a Jane MacClain, uma rapariga
de 16 anos, com a vida toda escrita, como num conto de fadas. Esse é o meu
problema…
Estamos a 25 de julho de 1992. É
madrugada e já estou a fazer a minha corrida matinal. Dei duas voltas à Praça
da República da minha cidade, como de costume. Ia começar a terceira volta,
quando escorreguei numa pedra! Sentei-me, respirei fundo, com os phones a cairem-me das orelhas, apoiada
na escadaria que rodeia o chafariz. Concentrei-me na música que estava a ouvir
e esvaziei a alma, focando-me apenas em mim e esquecendo o mundo à minha volta.
Fechei os olhos… A música acabou… Voltei a abri-los. Levantei-me e fui dar uma
volta pelos Paços do Concelho. Decorria uma exposição.
– Tanta arte! Pinturas, esculturas… Que
exposição linda! – disse para mim.
Voltei lá para fora e contemplei o
chafariz. Pareceu-me ver algo escrito. Concentrei-me mais. Sim, havia ali uns
escritos. Finalmente consegui decifrar, dizia “Morta 250753”.
- Ah! – gritei, assustada.
O que queria aquilo dizer? Olhei para
a frente e uma luz forte me ofuscou… Tive uma visão… Na minha cabeça aparecera
um homem estranho. Não deu para perceber quem… Não vi a cara… Assustada fui
para casa a correr.
– Querida, está tudo bem? Porque
demoraste tanto? – perguntou a minha mãe, aflita.
– Nada! Eu estou bem. Não se passa
nada… - disse eu, assustada e quase sem respirar.
Os meus pais olharam-se nos olhos,
preocupados.
Nessa noite, tive um pesadelo. O homem
outra vez na minha cabeça! Cada vez mais sentia uma ansiedade enorme em saber
quem era aquele homem que me invadia os sonhos.
Desde os oito anos que tenho estas
visões. Nunca falei disso a ninguém… A voz dele ecoava na minha mente, enquanto
eu dormia.
– Café Caravela! – sussurrou ele como
se me contasse um segredo.
O homem virou-se de costas e era
possível ver-se uma tatuagem com um número. Parecia um código. Continuei sem
perceber quem era… Acordei assustada… Não consegui dormir mais, a pensar
naquilo.
Era de manhã. O sol brilhava e eu fui
correr, como sempre. Cansada sentei-me numa cadeira da esplanada do café
Caravela. Momentos depois lembrei-me do sonho… O homem tinha-me sussurrado o
nome daquele mesmo café. Entrei. Olhei à minha volta... Havia algumas pessoas
sentadas. Tive outra visão… A cara do homem viu-se perfeitamente.
– Ah! – assustei-me. – Quem é ele? –
perguntei a mim mesma.
O meu coração batia cada vez mais
depressa como se eu precisasse de descobrir todo este mistério. Estava quase a
virar costas quando, de repente, vi um homem sentado na mesa do fundo do café.
Era ele! Só podia.! Era a mesma pessoa, a mesma cara que vi tão nítida ainda há
momentos, na minha visão mais recente.
O meu coração parecia que saltava para
fora do meu corpo. Respirei fundo e acalmei-me. Dirigi-me à empregada do café e
disse-lhe:
– Oiça-me com muita atenção! – pedi, e
ela acenou com a cabeça. – Preciso de um favor seu que é de extrema
importância. Quero que esteja atenta a tudo que eu fizer e aponte neste papel o
que lhe vou mostrar!
Dei-lhe um papel e ela seguiu-me. Fui
ter com o homem…
Ele nem estranhou eu ter aparecido.
Parecia estar embriagado. Sentei-me ao pé dele. Cumprimentei-o e começamos a
falar. A empregada do café fixava os olhos em mim à espera de algum sinal.
Perguntei-lhe se era dali, pois não me
lembrava de o ter visto antes. Trocamos mais umas palavras até que resolvi
despedir-me.
– Tenho que ir. Prazer em conhecê-lo.
– disse-lhe eu - Permita-me que o abrace.
Enquanto isso, puxei-lhe a gola da
camisola para baixo. Lá estava a tatuagem. Dei sinal à empregada que logo
apontou o que viu no papel.
Depois de ter agradecido à empregada,
saí do café, apertando o papel entre os dedos com todas as minhas forças. Fui
sentar-me nas escadas do chafariz. O número agora escrito no papel coincidia
com o escrito no chafariz.
– É ele! O homem dos meus sonhos e das
minhas visões! Mas o que significava tudo isto? – perguntei.
Depois, lembrei-me que a minha mãe me
contara uma história sobre a sua infância. Uma jovem havia sido brutalmente
assassinada naquele local. Toda a cidade ficara fortemente abalada e, durante
anos, o medo assolava todas as pessoas. Essa jovem seria a minha avó materna. A
minha mãe lamentava muitas vezes o facto de mal ter conhecido a sua mãe, que lha
tinham roubado, tinha ela apenas 4 anos. Concentrei-me nesta história. Segundo
a minha mãe, este episódio teria ocorrido em 25 de julho de 1953.
Foi então que refleti melhor. Os
números em código eram iguais à data.
- 250753… - disse eu - O homem é o assassino!
Descobri!
Dias depois, voltei ao café Caravela.
Lá estava ele. Fui dizer-lhe que gostei de o conhecer e de conversar com ele e
que gostaria de voltar a encontrá-lo noutro dia. Coloquei-lhe um comprimido no
copo do seu licor, sem que ele se apercebesse. No comprimido, estava escrita a
palavra “MORTE”.
Fui para casa sem saber se ele havia
tomado a tal droga.
Quando entrei no meu quarto, a minha
mãe estava lá. Olhei em frente… Outra visão… Desta vez, vi o homem a beber o
licor e a cair estendido no chão.
– Que foi filha? – perguntou a minha
mãe.
– Nada mãe… Está tudo bem…Agora, está
tudo bem! - respondi.
Deitei-me na cama satisfeita por,
finalmente, ter sido feita justiça. Desde então, os sonhos e as visões que
durante anos me atormentavam, deixaram de existir.
Às vezes, pensamos que é difícil
desvendar mistérios, vencer perigos ou sacrificar algo por alguém. Com isto,
aprendi que nem sempre o destino está traçado. No conto de fadas que alguém
escreveu para nós, podemos sempre ser os heróis, só é preciso ter o código
certo.
Mas não podemos nunca esquecer que a
vida é uma peça de teatro que não permite ensaios.
Joana Rocha, 2013
Histórias de Adolescentes
Rute,
a mãe mais nova do mundo, vivia em Wakamalakué, uma pequena ilha no meio do
Pacífico e só habitada por ela, pelo seu pai, um vulcanólogo, chamado Oliver,
com quem ela vive e por mim.
Eu
sou um rapaz que vive com eles. A minha mãe morreu e o meu pai fugiu do país
com o seu cadáver num frigorífico. Ele é um criminoso famoso, chamam-lhe o avô
Keké. Isto foi o que Oliver me disse. Ah, esqueci-me de dizer as nossas idades!
Eu tenho 16, a Rute tem 14 e Oliver tem 29 anos.
Certo
dia, Oliver foi fazer uma investigação ao vulcão da ilha e eu e Rute tivemos
uma noite de intenso amor. A meio da noite, Rute ouviu uns barulhos e acordou.
Depois olhou para as janelas e viu uma sombra que abanou as cortinas brancas. A
sombra começou aos risos, com uma voz fina de esquilo. Continuou aos rodopios à
volta da casa, mas sempre acelerando o passo. Então, num piscar de olhos, Rute
estava num local completamente diferente.
Este
local era espantoso, tinha um chafariz muito bonito e uma estátua preta. Rute
não gostava dessa cor…
Certo
dia, eu e ela tínhamos ido dar um passeio ao Jardim das Ortigas – tinha este
nome, pois segundo os estudos de Oliver, aquele lugar tinha sido um vasto campo
de ortigas – e ela encontrou uma rosa preta. Decidiu apanhá-la, mas picou-se.
Como ela ainda tinha três anos, começou a chorar muito alto. O sangue dela
pintou as rosas brancas de vermelho, mas as pretas mantiveram-se da mesma cor.
Isso assustou-a. A partir desta altura ela nunca mais gostou da cor preta.
No
local estranho onde estava, encontrou um homem que vivia na rua. Ela nunca
tinha visto um mendigo. Dirigiu-se ao homem e perguntou-lhe, bastante curiosa:
-
Percebe-se que não és mesmo daqui. Tu ficaste espantada ao veres que eu vivo na
rua.
-
É verdade, eu não sou daqui.
-
Estamos na Praça da República, em Viana do Castelo.
Então
ela contou a sua história ao homem, que ficou espantado, mas ele ainda a
espantou mais com a sua história. Ele disse-lhe que se chamava Rabatt e tinha
35 anos. Ele conhecia a cidade de Viana do Castelo como ninguém. Sabia
atravessá-la de olhos fechados. Conhecia o nome das ruas, as lojas, as casas,
as escolas e até os multibancos. Ele ajudou-a a orientar-se em Viana. Viveu com
ela oito meses no seu banco na Praça da República.
Certo
dia, o dono de um café lá perto ofereceu-lhe trabalho e ele aceitou. Nesse
mesmo dia, Rute, já com um bocado mais de barriga, ficou doente. Estava
irritada, com febre e vómitos. Ele levou-a ao hospital, onde foi examinada. Um
médico dirigiu-se a ele, pois ele já a tratava como filha.
-
Como está Rute? Tem algum problema? – perguntou Rabatt.
-
Tenho uma notícia para si.
-
Qual? Ela está bem? É grave?
-
Acalme-se, pois bem precisa.
-
Porquê? Ela morreu? Ai, eu já sabia!
Ao
dizer isto, Rabatt começou a chorar com as mãos na face.
-
Vai ser avô! – exclamou o médico.
Ele
continuou a chorar cheio de alegria, mas a pensar “quem seria o pai?”.
Entretanto,
na nossa ilha, houve uma tempestade, eu e Oliver naufragamos e ficamos à deriva
no oceano.
Pouco
depois de sair do hospital, Rute foi para a casa do patrão de Rabatt, pois ele
era bastante simpático. Rabatt perguntou a Rute quem era o pai da criança.
Então, ela respondeu-lhe contando a minha história:
-
O pai do meu filho chama-se Vasco. Eu conheci-o, pois os nossos pais
conheciam-se. O Vasco não tem, na realidade, a idade que diz ter. Ele teve um
problema. Quando a mãe dele morreu, o seu pai enlouqueceu, tornou-se
cleptomaníaco e fugiu. O Vasco, que tinha seis anos, sofreu um feitiço, o
espírito da sua mãe disse-lhe que ele ia tornar-se imortal e vampiro, aos 18
anos. Agora ele tem 16 anos, mas aparenta ter 18, em aspeto físico. Daqui a
dois anos, tornar-se-á vampiro.
Ao
acabar de dizer isto, Rute começou a ter dores de barriga e enjoos. Ela já se
encontrava grávida há oito meses. Havia fortes probabilidades de a gravidez ser
prematura.
-
Será que ela estará para ter o bebé? – pensou Rabatt.
No
mar, perto da nossa ilha, enquanto eu e Oliver tentávamos sobreviver ,
aproximou-se de nós um barco, onde estava o meu pai, que trazia o cadáver da
minha mãe num frigorífico. O meu pai, ao ver-me a mim e ao Oliver, recuperou a
sanidade, naquele instante, deixou de ser louco, abriu o frigorífico e tirou o
corpo da mulher. Então, a minha mãe começou a respirar e a falar. Ela
levantou-se e deu-me um abraço.
-
Meu filho, o teu feitiço vai-se quebrar! Vai ser pai e essa era a única forma
de quebrar a maldição – disse a minha mãe.
Aquilo
que a minha mãe dissera pareceu-me estranhíssimo e não dei grande importância,
achei que a minha mãe não devia estar muito bem.
Quando
demos por nós, já víamos a costa. Estávamos num rio e víamos agora uma marina.
Pelos livros de Geografia que eu tinha lido, estávamos em Viana do Castelo.
No
momento em que pisamos terra, na marina de Viana do Castelo, a nossa ilha foi engolida pelas águas. Nunca mais a vi. Eu
comecei a correr de alegria e, a certa altura, vi uma ambulância a passar.
Consegui ver que era Rute que ia para o hospital. Gritei pelo seu nome, Oliver
ouviu e veio a correr, a ambulância parou.
Na
ambulância, eu comecei a chorar de alegria. O meu filho tinha nascido. Eu e
Rute beijámo-nos. Oliver pegava na criança. Estava muito feliz: recuperara os
meus pais, reencontrei Rute, não podia ser melhor!
Então,
Oliver disse, olhando para Rabatt, que se encontrava ao lado de Rute:
-
Há uma coisa que eu tenho de dizer. O Rabatt é tio da Rute. Ele é irmão da
Estela, mãe de Rute. Ele é irmão de Estela, mãe de Rute!
-
Tu sabias disto? – perguntou Rute a Rabatt.
-
Não fazia ideia. Eu nem sabia que tinha irmãos – respondeu-lhe o tio.
-
A tua mãe disse-me que tinha um irmão – confirmou o meu pai. – Ela disse que
eram filhos da mesma mãe.
Todos
refletiram sobre esse assunto, mas chegaram à conclusão de que era melhor aceitarem
esta ideia.
-
Que nome vão dar à criança? – perguntou minha mãe.
-
Eu gostava de lhe chamar Estevão – sugeriu Rute.
-
Descansa – aconselhei-lhe eu. – Amanhã decidimos isso. Temos tempo.
Poucos
dias depois, decidimos chamar-lhe Estevão.
Agora,
eu vivo com os meus pais com Rute e com o nosso filho, num apartamento na Praça
da República, ao lado do apartamento de Rabatt, de Oliver. Estevão já tem 3
anos.
Os
apartamentos em que vivemos foram pagos com o dinheiro que Oliver ganhou pelas
suas pesquisas no vulcão. Agora ele é escritor. Já ganhou um prémio com a sua
história de Wakamalaqué, que fala sobre as suas descobertas científicas dessa
ilha submersa pelas águas.
Rabatt,
pelo contrário, perdeu o emprego por causa de Rute. Então, Oliver decidiu pagar-lhe
um curso de nadador salvador e agora, no verão, trabalha na Praia Norte, como
nadador salvador. Até já combateu com um tubarão.
Eu
casei-me com Rute. A minha mãe encontrou emprego como empregada de bar. O meu
pai deixou de ser ladrão e é segurança da discoteca Prosak.
Hoje,
vamos fazer mergulho no rio, junto à marina. Rabatt alugou um barco e eu pedi
licença à Câmara Municipal para fazer mergulho no rio Lima. Agora, neste
momento, do dia 3 de agosto de 2015, estou a vestir-me e a preparar-me para a
“Expedição Submarina”. Pode ser que encontre alguma surpresa no fundo do rio.
Eduardo Lima, 2013
De
todas elas, foste a melhor. E tu sabes.
O
inverno tinha pouco tempo ainda e o sol não tinha qualquer efeito em nós. Só os
nossos corpos nos aqueciam no frio e nos davam aquela sensação de conforto, de
casa.
Eu
sei e tu sabes que o Inverno não existiu.
A
praça estava perfeita ao início da tarde. Aproveitava para acabar o poema que
me virias a pedir. Continua a ser o sítio onde passo a maior parte do meu
tempo.
Podia
sentir aquela intensa mistura de cheiros: café, torradas e uma leve sensação de
liberdade. Ao mesmo tempo, uma ansiedade constante, uma correria interminável,
uma total falta de liberdade. Tantas vidas desperdiçadas.
Sentado
numa cadeira virada para o chafariz, observava as suas cores e tudo o que o
envolvia. Algo naquele cenário me faz viajar e percorrer um mar de pensamentos.
Enquanto
viajava, apareceste de mansinho sobre o chafariz. Observaste todos os seus
pormenores, até os mais irrelevantes. Demonstravas um carinho especial por algo
que parecias ver pela primeira vez.
Sem
contar, entraste na minha viajem e eu deixei. Naquele momento, fazias parte da
minha contemplação.
Cabelos
lisos, castanhos, olhos grandes cor de caramelo, lábios carnudos e um pequeno
sinal sob a boca.
Subitamente,
olhaste para mim. Como te apercebeste que te observava, fizeste um leve
sorriso. Envergonhada, acenaste com uma mão para mim como se de amigos já nos
tratássemos. Eu sorri e acenei também. Ainda com um sorriso no rosto, vieste na
minha direção.
Imaginei
como seria a tua voz, doce, delicada, meiga. Estava certo e nesse momento
despertaste em mim algo novo.
-
Importa-se que me sente aqui? – perguntaste desinibida.
-
Com certeza que não – sorri.
Conversamos
tempo sem fim, pela tarde dentro, literatura, música, viagens, plantas,
insetos, pessoas, tudo como se nos conhecêssemos há anos. Parecia surreal duas
pessoas completamente desconhecidas terem passado uma tarde como a que
passamos.
Combinamos
encontrar-nos no dia seguinte, no mesmo local, à mesma hora. Estava com medo
que não aparecesses, mas apareceste.
Tinha
curiosidade em saber quem eras e o que fazias em Viana, mas achava demasiado
ousado perguntar. Porém, fi-lo e tu disseste:
-
Vim a Viana recordar o que na verdade não foi vivido por mim, descobrir
origens. Os meus pais verdadeiros eram naturais desta cidade e não puderam
ficar comigo quando nasci. No entanto, deixaram-me uma carta onde falavam de
como se conheceram e de como seriam felizes em manter-me com eles. Vivi com
duas pessoas maravilhosas, até há pouco tempo, e agora tenho a minha vida em
Paris.
Ficaste
um pouco entristecida. Peguei na tua mão e perguntei:
-
Vais ficar por cá quanto tempo?
-
O tempo que achar necessário. Até que tudo faça sentido.
Passámos
tardes naquela praça. Eu escrevia e tu olhavas-me. O tempo parecia não passar
enquanto falávamos. Tudo estava em constante harmonia.
Levei-te
a conhecer a minha casa e lá passámos bons momentos. O sítio não importava,
estares ao meu lado era o mais importante.
Partiste,
mas fizeste daquele nosso inverno o mais quente que vivi.
Espero
que um dia voltes. Sei porque partiste, não pertences aqui. Só a ideia de ficar
onde nunca pertenceste, mas devias ter pertencido, faz-te mal. Acho que é
normal e, na verdade, nunca o saberei.
Carolina Viana, 2013