sábado, 21 de fevereiro de 2015

À Conversa com Jacques Zoon



Durante os dias 16, 17 e 18 de fevereiro de 2015, na Escola Profissional de Música de Viana do Castelo, decorreram Cursos de Aperfeiçoamento Artístico (Masterclasses) dos seguintes instrumentos: Contrabaixo (António Augusto Aguiar), Flauta (Jacques Zoon), Guitarra (Pedro Rodrigues), Saxofone (Fernando Ramos), Viola-d’arco (Paul Wakabayashi), Violino (Zofia Kuberska-Woycicka e Pedro Rocha) e Violoncelo (Carlos Tony Gomes).

No final dos dias 17 e 18, os participantes assistiram a dois Concertos de Professores onde se ouviu o Capricho Op. 18 n. 2 de Henryk Wieniawsky, mas também obras de Franz Danzi, A. Pinho Vargas, Agustin Barrios, Jorge Peixinho, J. S. Bach e a estreia mundial da obra “Apneia” de D. Andrikopolous.


As alunas Ana Baganha (1CISP) e Bruna Curva (2CISP) tiveram a oportunidade de entrevistar o flautista Jacques Zoon, um dos professores convidados.




Quando começou a pensar seguir uma carreira musical como flautista profissional?

Penso que teria 11 ou 12 anos. Comecei a tocar flauta com 9 anos e sentia tanto prazer ao fazê-lo que cedo percebi que poderia seguir uma carreira musical. Foi até engraçado porque a minha professora queria que eu me tornasse flautista, mas eu não me decidia. Na altura, eu jogava futebol e ela não gostava disso. Houve então um momento em que ela me perguntou se eu queria ser músico ou jogador de futebol, e como eu gostava de a arreliar disse-lhe que queria ser futebolista. Mas uma semana depois, confessei-lhe que lhe tinha mentido e que na verdade queria ser flautista.
Depois dos 14 anos tudo começou a ser mais difícil porque eu já tinha a certeza que queria ser músico e os meus pais queriam que eu primeiro acabasse os meus estudos e tivesse bons resultados. Comecei o ensino secundário muito bem, mas cada ano que passava estava a piorar as notas e quando chegou o exame final passei com alguma dificuldade.

Qual considera ter sido o momento mais importante da sua carreira musical até à data?

Na verdade não sei. Para mim, o mais importante é sentir-me feliz com o que faço. Sempre tive sorte e sempre fui feliz na minha profissão e por isso não posso falar de um momento específico. Há momentos da carreira que podem parecer muito importantes para os outros, mas também podem ser uma ilusão. Há pessoas muito famosas, mas que na verdade são muito infelizes: pertencem a toda a gente e deixam de pertencer a elas próprias… O sucesso passa a ser um sofrimento, um fardo… eu não almejo esse tipo de carreira.



Que conselhos daria a um aluno que está agora a começar a sua carreira musical ou ambiciona uma?

Essa pergunta é muito difícil de responder. Não são os alunos que decidem, ou não, começar uma carreira musical, são as oportunidades que aparecem, ou não aparecem. Claro que se tem de trabalhar muito e ter a certeza de que temos algo especial para oferecer e que outras pessoas não podem fazê-lo.
A sorte pode ser um fator importante, temos de estar no lugar certo, na altura certa, mas se não acontecer não devemos ficar desiludidos. Devemos ter outras razões para continuar na música e continuar a tocar, independentemente do nosso caminho. Há tantos bons músicos e tão pouco trabalho, por isso, esta profissão pode trazer muita desilusão.
Se temos demasiadas expectativas, as carreiras podem tornar-se cheias de desilusões. Se algo que queremos muito não acontece pode ser muito constrangedor, por isso, temos de ter a certeza de que o que fazemos nos faz felizes.
Se gostarmos do que fazemos, mesmo que não alcancemos um grande sucesso na nossa carreira podemos nunca ser infelizes ou estar desapontados. Conheço músicos que tinham expectativas muito altas e porque não as alcançaram não voltaram a tocar. E eu penso, afinal, que significado tem a música para eles? Por isso, recomendo que só procure seguir uma carreira musical quem realmente ame a música e, assim, tudo o que conseguirem é fruto disso mesmo e não ao contrário.
Por outro lado, creio que é muito importante que se estude música a um nível muito elevado, mesmo que não profissionalmente. É importante que os músicos se apresentem ao nível mais alto, para que a arte evolua, para que seja mais conhecida e permaneça. Se houver muitos jovens talentosos, mas a quem não lhes é permitido o ensino da música ao nível mais elevado, não estaremos a deixar que a arte evolua.

Houve outros músicos ou maestros que foram uma fonte de inspiração para si?

Desde 1981, trabalhei muito regularmente com Claudio Abbado, primeiro em orquestras juvenis e depois na Orquestra de Câmara da Europa. Em 2003, comecei a tocar na Orquestra do Festival de Lucerne e na Orquestra Mozart com diferentes formações. Abbado sempre me convidou a voltar e eu amo a sua forma de fazer música. Ele era muito espiritual, especial, transcendente e inspirador.





Que tipo de repertório prefere tocar?

Quando era estudante adorava música Romântica, ainda gosto, acho que isso é normal, mas quando envelheci comecei a apreciar cada vez mais o compositor alemão Johann Sebastian Bach porque é necessário um grande rigor na sua execução, não se pode brincar ou fazer batota com a sua música. É muito importante estudar Bach. Johannes Brahms sempre dizia: “Estuda Bach. Lá encontrarás tudo”.
Mas gosto de tocar muitas outras coisas, não tenho preferências. Eu também toco flauta cónica que tem um som muito doce e a maior parte do repertório está escrito para ela.
Na Alemanha, a flauta com o sistema Boehm não foi verdadeiramente aceite até depois da Primeira Grande Guerra. O Concerto de Flauta do alemão Carl Reinecke foi escrito para um instrumento cónico e todos os compositores anteriores tinham uma ideia muito diferente de como a flauta deveria soar. Eu acho que aprender a tocar vários tipos de flautas (a flauta moderna e as flautas antigas) é um bom investimento, porque o som não é de todo o mesmo.
Anton Bernhard Furstenau, um compositor romântico e um flautista virtuoso, era contra a flauta de Boehm. Ele dizia que as coisas boas da antiga flauta se tinham perdido e em vez disso tínhamos força e equilíbrio, o que era positivo, mas muitas qualidades haviam desaparecido. Eu acho que há verdade nisso. Talvez se consiga construir um instrumento hibrido.

De que maneira a sua experiência enquanto professor influencia as suas apresentações como flautista?

Se ensinamos de uma certa maneira, se temos ideias sobre como o devemos fazer e tentamos que os nossos alunos melhorem dessa forma, temos a responsabilidade de também o honrarmos. No fundo, somos responsáveis por aquilo que dizemos e, por vezes, pode ser um pouco frustrante porque nem sempre consigo fazer o que digo (mas isso também é humano). Por vezes, nós temos um problema que estamos a tentar resolver e o facto de ensinarmos faz com que não desistamos de o solucionar. Lecionar faz-nos trabalhar mais.
Vivi com Claudio Abbado e outros músicos muitas experiências que me inspiraram e que influenciaram a forma como toco, e sinto o desejo de transmitir esses conhecimentos aos meus alunos. Claro que a técnica é muito importante, é importante tocar de forma correta e de forma fluída, mas não é tudo. Muitas coisas podem influenciar a nossa forma de tocar. Por vezes, a essência da música que é transmitida, as ideias musicais e a inspiração surgem de outras pessoas, de um filme que vemos, das nossas experiências de vida. Transmito aos meus alunos que “nunca devemos fechar a porta”.




Gostaria de deixar uma mensagem aos alunos da Escola Profissional de Música de Viana do Castelo?

É fantástico ver que há tantos jovens que se sentem motivados para fazer música e espero que a Escola continue o seu trabalho, porque a música é um alimento espiritual para o mundo. Mesmo que não tenham a carreira que gostariam de ter, mesmo que não encontrem um trabalho, não parem de tocar, porque o mundo precisa de músicos. Sem músicos inspiradores o mundo seria muito mais aborrecido.
Penso que temos de ser muito inventivos e encontrar formas de sermos úteis. Há quem esteja à espera que o façamos. Mesmo que seja a tocar na rua, sempre haverá quem pare e fique fascinado porque não sabia que tal beleza existia. E isto acontece a toda a hora. A magia da música pode transformar as pessoas. Quantos mais instrumentistas de um elevado nível musical existirem, especialmente músicos eruditos e não apenas de entretenimento, mais espirituais serão as partilhas. Há sempre algo mais por trás da música que é composta.





Recorda-se que Jacques Zoon nasceu em 1961 na Holanda e é um dos mais extraordinários flautistas da atualidade. Já se apresentou a solo em vários países da Europa, no Japão e nos Estados Unidos da América, sob a direção de maestros como Claudio Abbado, Leonard Bernstein e Bernard Haitink. Atuou como primeiro flautista na Concertgebouw (Amsterdão, Holanda), na Orquestra Mozart (Viena, Áustria), na Orquestra de Câmara da Europa, na Orquestra Filarmónica de Berlim e na Orquestra Sinfónica de Boston, onde foi eleito “músico do ano”.

Presentemente é primeiro flautista na reputada Orquestra do Festival de Lucerne, na Suíça, conhecida por convidar os melhores instrumentistas do mundo, e trabalha regularmente com os Solistas Barrocos de Berlim. Efetuou inúmeras gravações para a Deutsche Grammophon, a Philips e a Decca. Jacques Zoon leciona, desde 2002, no Conservatório de Música de Genebra (Suíça) e desde 2008, na Escola Superior de Música Rainha Sofia, em Madrid.



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