A propósito dos dois concertos a realizar no próximo sábado 11 de janeiro 2014, no Teatro Municipal Sá de Miranda, em Viana do Castelo, recorda-se a conversa de 2008 com o maestro Julián Lombana, que irá dirigir a Arte Sinfónica – Orquestra EPMVC.
Nasceu em Bogotá em 1954.
Terminados os estudos de Violoncelo e Composição, obteve a licenciatura em
Pedagogia Musical na Universidade Pedagógica Nacional da sua cidade natal.
Graduou-se em Direção de Orquestra no Conservatório Superior de Música “C.
Porumbescu”, de Bucareste. Ao radicar-se em Itália, participou em cursos de
especialização de Direção de Orquestra. Desde 2006, a convite da Fundação Átrio
da Música, tem dirigido por várias vezes a Orquestra Sinfónica da Escola
Profissional de Música e o Coro da Academia de Música de Viana do Castelo.
Presentemente é professor titular de Cátedra de “Prática Orquestral” e diretor
da Orquestra do Conservatório “F.A. Bonporti” de Trento, em Itália.
Com que idade iniciou o maestro
os seus estudos musicais e que instrumento começou por tocar?
Eu comecei os meus estudos musicais na
Colômbia aos nove anos. Estudei solfejo e violoncelo.
Quem o incentivou nessa sua
escolha?
Na minha família havia um tio, irmão de um
avô, que era violoncelista e foi membro da Orquestra Sinfónica da Colômbia e
desde pequeno que ouvia falar dele. Isso despertou a minha curiosidade em
conhecer um pouco o mundo da música. Na minha família havia uma relação
bastante estreita com a música, todos gostavam muito de a ouvir e cantar.
Tocavam com instrumentos típicos. Eu tocava guitarra, mas de uma forma natural
não éramos profissionais. Porém, eu tinha vontade de aprofundar os meus
conhecimentos musicais, pois tinha curiosidade em saber mais sobre música. Na
minha casa havia um quarto onde se guardavam muitas coisas que não serviam para
nada, mas que também poderiam servir para alguma coisa. Aquele quarto era um
mistério por desvendar. Quando lá entrei, encontrei um arco que não sabia se
era de violino, violoncelo ou contrabaixo. Mais tarde, descobri que era um arco
do meu tio, que foi guardado pelos meus pais. Então, eu chegava ao quarto e
brincava com as cerdas do arco. Esse arco de violoncelo foi muito importante
para mim.
Outro facto relevante foi o de meu pai ouvir
música sinfónica. Era advogado e enquanto trabalhava, em casa, ouvia música. Eu
habituei-me a ouvir música sinfónica desde que nasci.
Quando é que começou os seus
estudos no âmbito da direção e porquê?
A direção de orquestra tem a ver com a
personalidade de cada um. Eu sou o mais pequeno de uma família de cinco e
lembro-me de crescer num ambiente de muita atenção, porque era o mais pequeno,
o que provocou em mim uma predisposição para dirigir as coisas. Lembro-me que,
em casa, gostava de por em ordem os sapatos dos meus irmãos. Descobri uma certa
tendência para ordenar as coisas e, no fundo, ordenar as coisas significa
dirigir, controlar.
Recordo que um ano antes de entrar no
conservatório um dos meus primos estava a estudar EINE KLEINE NACHTMUSIK de Mozart, a pequena serenata de Mozart, e eu
dei particular atenção à música, que me provocou uma agradável sensação. Quando
descobri esse disco, comecei a mover a mão. Que sensação importante! Lembrei-me
de ir instintivamente ordenar os sapatos como se fossem uma orquestra. Entrei
no conservatório para aprender violoncelo, o que era só uma curiosidade, porque
no fundo eu gostava era de organizar, manejar.
Qual é o estilo de música
que gosta de ouvir/ dirigir?
Eu penso que na vida passamos por diferentes
momentos através dos quais vamos descobrindo determinadas tendências mais
próximas. Quando terminei os meus estudos de direção, a minha maior inspiração
era Brahms. Era um compositor que me motivava e o que mais me marcou. A música
é uma descoberta contínua a cada momento da vida. A partitura está à nossa
frente e nós músicos temos o dom de ter uma linguagem que faz com que a
partitura fale, tal como acontece com a literatura, que também nos provoca
emoções.
Neste momento, é a oratória Messias de Handel
que estou a trabalhar, é a 3ª vez que dirijo esta obra, mas tudo é diferente é
como se fosse abrir um novo livro.
Qual foi a primeira obra que
dirigiu e quem dirigiu?
Quando tinha 16/17 anos, estava no
conservatório e frequentava o colégio. Era um pouco pesado. Eu cantava no coro
e tocava na orquestra do conservatório.
Houve uma ocasião em que havia muitos
violoncelos na orquestra e o maestro perguntou quem queria dirigir, eu levantei
o braço. O maestro disse “que coragem”, peguei na batuta, que é a que tenho, e
fiz um movimento que começou a soar, era tudo emoção!
Já lhe aconteceu algo
curioso enquanto dirigia alguma obra?
A história mais curiosa talvez tenha
acontecido no último ano dos meus estudos de composição e direção em Bucareste. O meu maestro
chamou-me e disse-me que tinha recebido um convite do maestro da orquestra da
Filadélfia, para ir dirigir uma temporada de concertos na Europa. Como ele
estava doente, pediu-me para os dirigir. Ir para a Europa era um sonho para
qualquer habitante de um país comunista. É claro que aceitei. O primeiro
concerto foi em Budapeste com a orquestra nacional da Hungria. O programa do
concerto era Bela Bartok e incluía uma das obras mais difíceis para um diretor
dirigir. Eu estudei-a, mas encontrei uma orquestra em que os músicos sabiam a
obra de memória. Senti-me muito pequenino. Tinha muito que aprender! Como eles
sabiam tudo de cor estavam sempre a olhar para mim. Então, também eu tive de
decorar a obra.
No dia seguinte não dormi toda a noite, para
estudar a partitura e depois, na orquestra, a dirigir de cor. Eu aprendi
absolutamente tudo, eram excelentes instrumentistas, coisa que me recordo de
maneira particular.
O que é que o maestro faz
para inovar na direção de uma obra que já foi tocada milhares de vezes?
Isso é uma das coisas mais difíceis que há. É
muito difícil, porque as obras que se tocam muitas vezes têm um timbre que se
chama imortalidade. Acho que é um pouco arrogante dizer que posso fazer algo
novo. Porém, quando trabalho com orquestras jovens, posso criar uma série de
experiências e contactos sociais e ajudá-los a perceber o que estão a tocar.
Acredito que o poder maior que tenho é ser
fiel à partitura, se não está escrito é porque o compositor não queria.
A orquestra está para o maestro
como o instrumento está para o músico?
Sim, sem dúvida (risos). A orquestra é o meu
instrumento. Mas um conceito muito importante é que eu não dirijo a música, eu
dirijo os músicos, os seres humanos, porque para obter a música tenho que
passar através do ser humano, para produzi-la. Quando se toca isso não acontece,
porque se eu tiver um violoncelo nas mãos, não há nenhum intermediário sou eu e
o meu instrumento.
No caso da direção, sou eu, as pessoas que
tocam e a música que se produz aqui há um intermediário que se chama ”homem”.
Então, para mim, primeiro, está a relação humana e logo a seguir a relação
musical. Foi esta escola que me ajudou a chegar a esta conclusão. A maioria dos
alunos começa sem saber tocar, não aprende a tocar logo aos seis anos. Que bom!
Houve uma altura em que eu assisti às provas de acesso à escola, havia alunos
que nem sequer sabiam o que era um fagote e agora encontro-os a tocar muito bem
nesta orquestra. Do ponto de vista formativo, isto foi uma experiência
excelente. Considero-a um ponto de referência a falo dela nas outras escolas.
Nesta escola, há dois valores
importantíssimos. Um deles é a prioridade que se dá à escola profissional, onde
há espaço fundamental para a música em conjunto (orquestra sinfónica, música de
câmara, orquestra de cordas, orquestra de sopros). O futuro está no grupo não
está no indivíduo, mas sim no sacrifício do indivíduo no grupo. O outro é a
qualidade dos professores. Aqui temos uma Babel onde se fala muitos idiomas e
onde há uma qualidade humana e musical excelente, o que é fundamental.
O que é que lhe dá mais
gosto dirigir, orquestras de jovens ou profissionais?
Orquestras jovens, sem dúvida! (risos) As
orquestras jovens dão-me muita motivação. As orquestras profissionais causam-me
um pouco de stress. Não controlo
orquestras, eu estou lá para fazer música. É por isso que estou a ficar sem
motivação para dirigir orquestras profissionais. Com os jovens não é assim,
eles instintivamente recebem ou rejeitam. Sente-se que há algo agradável, um carisma
para trabalhar. Se um jovem gostar do diretor ele sorri, mas se não gostar não
o goza.
Para um jovem não lhe interessa se o maestro
sabe ou não dirigir, o que lhes interessa é sentirem-se cómodos a fazer a sua
tarefa. Para mim as experiências com orquestras jovens foram maravilhosas.
Foi uma conversa muito interessante, que o
Folha da Música muito agradece ao Maestro Lombana, a quem desejamos as maiores
felicidades.
Viana
do Castelo, 2008
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