sexta-feira, 19 de junho de 2015

Textos Vencedores do Concurso de Textos - EPMVC - 2015


Curso Básico de Instrumento


1º Lugar - Adriana Gonçalves (2CBI)
2º Lugar - Carolina Pereira (2CBI)

Curso de Instrumentista de Cordas e Teclas (CICT)/ Curso de Instrumentista de Sopros e Percussão (CISP)

1º Lugar - Diana Esteves (1CICT)
2º Lugar - Joana Lima (2CISP)

O nosso bom país

Portugal é um país de boa gente,
Embora pouco conhecido,
Eu diria que é muito atraente.

Belas paisagens vemos por todo o lado,
Temos vinho delicioso para degustar
E não há como ignorar
O nosso maravilhoso fado.

Em Viana do Castelo,
Não nos podemos esquecer
das famosas bolas de Berlim,
Mas falemos agora de escritores,
Porque foi para isso que eu cá vim.

Temos O Auto da Barca do Inferno
Do nosso Gil Vicente,
Dramaturgo e pai do teatro português,
Parece-me um homem decente.

Depois, Os Lusíadas
De Luís de Camões,
Conhecido por ser cego de um olho,
Por causa de más afeições.

E também Eça de Queirós
Romancista e contista,
Autor de O Crime do Padre Amaro,
Um incomparável artista.

Temos o mais universal poeta português,
O famoso Fernando Pessoa,
Poeta e filósofo,
Que tão bem nos soa.

Por fim, José Saramago,
Com o Memorial do Convento
Ganhou o Nobel da Literatura,
Um grande reconhecimento!

E está aqui a prova de que Portugal
É um país de grandes talentos,
Basta lembrar a época dos Descobrimentos.


Adriana Gonçalves, 2CBI





Diário de uma caneta

Eu chamo-me Bic00256781 e sou uma caneta verde. Fui criada numa fábrica da famosa empresa bic e, posteriormente, fui levada para uma papelaria. Como as aulas estavam prestes a começar, tinha esperança de não ficar ali muito tempo. Porém, após uma semana, apenas restava eu na prateleira das canetas. Sentia-me sozinha, até que vi uma menina a entrar. Ela parecia ter vontade de comprar canetas. Então, pus-me elegante para que ela reparasse em mim. Fui bem sucedida e fui levada num saco juntamente com outros materiais. Ela não me resistiu durante muito tempo, tirou-me do saco e começou a escrever. Sara Ferreira, o nome da minha proprietária, era inteligente, bonita e, o mais importante de tudo, adorava usar-me para escrever. A minha nova casa agradava-me, era acolhedora e quente. Sara pousou-me na secretária e fechou-me no seu estojo, mas, de vez em quando, ela tirava-me de lá para escrever.
Um dia, comecei a sentir um tremor de estojo, deve ser semelhante àquilo a que os humanos chamam de tremor de terra, e ouvi a Sra. Ferreira a dizer a Sara «Vá, filha, não podes chegar tarde ao teu primeiro dia de aulas. Põe tudo dentro da tua mochila!». Nesse momento, comecei a sentir borboletas na minha tinta, estava tão nervosa, mas passou-me quando Sara pegou em mim e começou a escrever a palavra «Sumário». Nesse instante, percebi que tinha entrado numa nova etapa da minha vida.
Ao longo desse ano letivo, gerou-se uma competição entre mim e a caneta vermelha. Foi difícil vencê-la, pois esta estava sempre a tentar dar mais nas vistas com a sua cor garrida, mas, mesmo assim, consegui cumprir o meu dever. Ultrapassei essa situação, pelo menos era o que eu pensava. No entanto, um dia, quando a caneta vermelha viu uma oportunidade, atirou-me para o chão. Nesse momento, senti-me perdida, mas não me dei por vencida, rolei, rolei, até que fui parar perto da mochila de Sara. «Aqui estás tu! Estava a ver que te tinha perdido!» disse a menina, agarrando-me.
Alguns anos depois, Sara estava na faculdade, com a mesma determinação de há três anos atrás e levou-me sempre para todo o lado. À medida que os anos iam passando, eu ia ficando gasta, até que fiquei apenas com dois centímetros de tinta.
O dia 12 de agosto foi um dos piores dias da minha vida. Estava a correr tudo bem, mas deixei de escrever, por isso, Sara começou a abanar-me e eu comecei a sentir-me tão enjoada que vomitei. A minha tinta saiu, explodiu, não sabia o que havia de fazer, só conseguia pensar «Será que Sara me vai deitar ao lixo?». Sara pousou-me na mesa e saiu a correr. Meia hora depois, ela voltou com outra caneta bic verde. Fiquei desiludida, pois pensava que ela me ia substituir. Olhei para Sara e não acreditava no que ela ia fazer. Porém, eu estava enganada, a menina tirou a carga cheia de tinta da nova caneta e pô-la dentro de mim! Bem, não era a mesma coisa, tinha uma prótese, mas eu continuava a servir! Aos poucos, comecei a habituar-me, a sensação que tinha era como quando se começa a andar de bicicleta, uns desequilíbrios de tinta para aqui outros para acolá, até que consegui equilibrar-me.
Assim tem sido a minha vida, desde a saída da fábrica, a permanência na prateleira da papelaria, até ao dia em que Sara me levou e, até hoje, faz de mim a caneta mais realizada do mundo.


Ana Carolina Pereira, 2CBI



Demasiado pesado para sorrir

Apenas as partículas de ar corriam avenida acima e escorregavam avenida abaixo. A chuva ameaçava cair e o sol envergonhava-se por entre as nuvens. Uma mulher alta passeava o seu corpo. Era uma senhora de rosto branco e magro e de cabelos negros e longos como o carvão, tão longos que tocavam o fundo das suas costas sempre direitas.
Amália era o nome que, simplesmente, porque sim, lhe tinha sido designado. Amália trazia consigo um peso nos lábios que não a deixava sorrir. Talvez esse peso tivesse sido consequência da infância por que passara, mas não vivera. Possuía cinco décadas mas, apesar da idade, Amália nunca envelheceu. O seu rosto pálido apresentava algumas rugas, mas a sua alma continuava jovem. Amália nunca se tinha casado; preferia, aliás, nem falar nisso, uma vez que, a seu ver, ela era o par perfeito para si própria.
Na mesma direção da avenida que a mulher de tez branca, de costas sempre direitas descia, um homem presenteava todos os que passavam, que por sinal não eram muitos, com olhares profundos e incómodos vindos de duas portas esbugalhadas e negras. Talvez por medo de perder algum segundo do que acontecia à sua volta, Álvaro nunca fechava os olhos. Observava as pessoas dos seus sapatos aos seus narizes, da sua maldade ao seu encanto. Álvaro adorava conversar com as pombas. E era somente com elas que conversava, uma vez que eram as únicas que não se sentiam constrangidas com aquele olhar perspicaz e atento. Confessava-lhes os erros que ia cometendo e as boas ações em que ia participando; falava-lhes sobre os seus sonhos e pesadelos e comentava, comentava tudo o que via. Quando Álvaro reparou em Amália, decidiu de imediato ir falar com as suas mensageiras. Este acreditava que existia alguém, do outro lado do rio, que recebia as suas palavras através das pombas.
Álvaro disse-lhes que tinha visto a mais bela mulher desde que tinha aberto os olhos. O seu rosto branco e enrugado era o mais perto do imperfeito que poderia existir e, mesmo assim, Álvaro achava que era o mais encantador, os cabelos negros e grisalhos de Amália despertaram nele uma vontade enorme de cuidar deles e o peso que Amália trazia nos lábios, aquele peso que não a deixava sorrir, fez com que Álvaro tivesse vontade de o carregar para que Amália pudesse sentir a magia do sorriso.
Depois de descer a longa e fria avenida, Amália, cansada, sentou-se do outro lado do rio. Procurou um lugar onde o vento não cantasse e lá estavam as mensageiras por mero acaso ou mero destino. As pombas não percebiam o que Álvaro lhes dizia, do mesmo modo que Amália não percebia o que elas lhe diziam. Todavia, todos percebemos o que os outros sentem, basta conhecê-los um pouco melhor.
Amália nunca perdera a sua essência de criança e não confiava nas pessoas. No entanto, porque não confiar nos animais? Afinal, eles nunca iriam contar a ninguém o que quer que ela lhes dissesse. Não foi algo que a fizesse pensar muito e, depois de dois segundos, Amália deu asas à sua voz e contou-lhes tudo: quem era, de onde vinha, o porquê do seu cabelo ser tão comprido e grisalho e até mesmo um segredo que jurara guardar para si até ao fim dos seus dias. Amália queria muito uns brincos, mas não eram uns brincos quaisquer. Eram uns brincos finos como alinhavo e brilhantes como estrelas, feitos por alguém especial, alguém com os olhos tão atentos que conseguissem perceber todos os encantos e histórias que uns simples brincos poderiam conter.
Finalmente, a chuva perdera a força que a mantinha em suspenso e decidira cair. Amália, sentindo o seu cabelo ficar molhado, foi para casa. Era uma casa pobre e pequena, as flores do jardim tinham morrido e algumas telhas tinham sido levadas pelo vento. Lá dentro, chovia. O barulho das gotas da chuva a caírem no balde sempre cheio era o único som que Amália tinha para ouvir. Deitou-se na cama. Naquele dia, não jantou, não tomou banho, não rezou e não pediu mais nada, apenas adormeceu.
Do outro lado, Álvaro fizera o mesmo. Não em casa, ou melhor, não numa casa convencional, mas na sua casa - a rua. Este dormia no banco do jardim, no fundo da avenida, bem perto do rio. Fizesse chuva ou sol era lá que Álvaro dormia e esperava, esperava sempre pela resposta das suas mensageiras, resposta essa que nunca recebera até àquele dia. Pois, naquele preciso dia, as pombas tinham voltado e traziam consigo um pedido: uns brincos finos como alinhavo e brilhantes como as estrelas. Álvaro, sem saber de quem era o pedido, queria fazer alguém feliz. Pôs mãos ao trabalho e pés ao caminho e, sem saber como nem porquê, ao amanhecer, os brincos estavam prontos. O homem de grandes olhos não sabia a quem os entregar e como tal resolveu dá-los às pombas. Porém, sentindo uma certa desconfiança em confiar-lhes tamanho esforço, decidiu segui-las. Estas levaram-no a um banco de jardim do outro lado do rio, onde não se encontrava ninguém. Álvaro sentiu-se triste. Afinal não entendia o cantar nem o sentir das pombas e, afinal, não havia ninguém a ouvir as suas palavras. Sentou-se, olhou para todo o lado, como sempre fazia, e desistiu. Fechou os olhos. Nesse instante, Amália dirigia-se ao parque. Estava mesmo a chegar ao seu banco de jardim, quando avistou Álvaro. Repreendeu-se. Pensou em voltar para traz e fugir. Nunca, até àquele dia, alguém se tinha sentado naquele banco já com tábuas partidas e parafusos enferrujados fora do sítio e, naquele dia, naquele preciso dia estava lá alguém. Parou, pensou, fechou os olhos, roubou a coragem de alguma criança que por ali passava e tocou Álvaro. Pousou bruscamente a sua mão nas costas dele e, num sobressalto, Álvaro agarrou aquela macia mão enrugada. Amália, assustada, retirou a sua mão rapidamente. Não estava habituada a que lhe tocassem. O olhar atento e astuto de Álvaro percebeu-o, como, aliás, percebia tudo. Perguntou-lhe se tinha ouvido as suas mensagens. Amália, prontamente, disse-lhe que não. Indagou, ainda, se costumava falar com as pombas ao que Amália retorquiu, novamente, com uma resposta negativa. Álvaro começava a perder a esperança, quando lhe perguntou se esta tinha feito algum pedido. Amália não sabia se devia responder a tal questão, mas, sem pensar muito, disse-lhe que a única coisa que pedira tinha sido uns brincos.
Álvaro sorriu. E com um sorriso tão aberto e franco quanto os seus olhos, arrancando os brincos do bico de uma das pombas, ofereceu-os a Amália. Nesse momento, o peso dos lábios de Amália dissipou-se. Aquela mulher, que até então não sabia o que era sorrir, agora, gargalhava tão alto que fazia com que as pombas se assustassem e fugissem. Amália abraçou Álvaro e, pela primeira vez, sentiu o coração de alguém palpitar perto do seu. Aquele homem quis, de imediato, pôr os brincos nas orelhas níveas de Amália e, depois de o fazer, o seu rosto parecia ainda mais alvo e os seus cabelos ainda mias negros.

Amália depositou o seu olhar em Álvaro e percebeu que há pessoas nas quais podemos confiar e acreditar. Afinal, há sempre alguém em quem possamos confiar as nossas vontades e os nossos sonhos para que nos ajude a concretizá-los. Percebeu que com a ajuda de outros podemos conseguir o que necessitamos, alguém com quem falar, e, acima de tudo, o amor. Na verdade, sem amor, o coração do ser humano tende a minguar. 

Diana Esteves, 1CICT





À tua volta

De repente, percebes que tudo o que está à tua volta nunca mais será o mesmo. Percebes que a infância foi uma ilusão, que a vida é difícil, e ainda só tens dezassete anos. Percebes que os contos de fadas são isso mesmo, histórias de algo fictício; que o super-homem não existe e que não existe magia.
Crescer é isso mesmo: pôr a felicidade de lado, culpando os outros disso. Ao crescer, deixamos de poder ser crianças, não por escolha própria, mas sim como necessidade, como uma obrigação. Quanto mais crescemos, menos temos. As pessoas que nos acompanharam desde sempre morrem. Assim, de uma forma nua e crua. Os objetos com os quais nós brincamos desaparecem, as roupas coloridas e quentes deixam de servir e, mais uma vez, as pessoas desaparecem! Umas vão fisicamente, outras espiritualmente…
Quanto mais crescemos, mais nos infantilizamos, tornamo-nos inúteis, fúteis, sem importância; tornamo-nos só mais uns - no meio de tanta igualdade, meramente mais uns.
Eu não queria tornar a minha vida tão irrelevante, não queria que não houvesse alguém que soubesse o que há para além de um rosto, a história por detrás de um mero ser humano. Não queria… Mas estou cansada. Cansada de sorrisos falsos, de conversas sem nexo, de abraços em que nada é compartilhado. Estou farta de olhar à minha volta e ver pessoas ignorantes, pessoas que têm só por ter, que querem só porque o outro quer.
Estou farta de ver o amor banalizado, de ver começar e acabar dia após dia. De ver que, nesta altura, já nem Deus é levado a sério! Porque é que se fazem votos de matrimónio se os vão quebrar? E as palavras trocadas naquele dia “especial”? E o amor? Mas, afinal, onde está o amor? Porque é que em vez de se falar, põem os outros a falar por eles? É a lei? Não. Não há leis no amor. Não vou dizer que o amor eterno não existe, pois isso é a maior barbaridade de sempre. Mas, o amor não é um tratado, não é um dia especial, não são duas assinaturas em nome de um só. O amor não tem data, leis, nem muito menos fim.
O amor é para ser vivido, sentido. Serve para nos sentirmos bem connosco próprios, com o outro. Serve para conversar, para brincar, para rir, chorar, gritar e pensar! As discussões servem para fortalecer, para não dizer tudo de cabeça quente, para pensar antes de agir.
As discussões existem para não usar o divórcio como desculpa. É tão triste saber que quanto mais crescemos, menores são as nossas capacidades, menor é a nossa capacidade de tomar decisões e escolhas.
Neste momento, sinto-me triste com tudo o que está à minha volta e digo-o com sinceridade: só queria poder desistir de tudo e poder voltar a ser criança, como quando todos me rodeavam, todos me amavam tal e qual como eu era e a união prevalecia.
Gostava de ter coragem, força, orgulho em mim, alegria, felicidade, capacidade de ir daqui para o além, vontade de ser quem eu sou, sem medo do que os outros possam pensar, sem medo de errar, sem o pensamento fraco e derrotado de quem quer voltar para trás.
Eu sei, por vezes é necessário voltar atrás, para ganhar balanço para a frente; mas também é preciso ter força…
E, no tudo que disse, existe o vazio nas palavras, porque, na verdade, nada do que escrevi faz sentido.
Este texto está uma mistura de ideias, de pensamentos, de críticas e… na verdade, eu vou continuar a mesma. Aquela pessoa que desiste de todos os obstáculos, mesmo sem dar luta, porque esta sou eu.
Não é possível seguir um caminho sozinha, sem saber onde vai dar. Tenho medo dos próximos tempos em que vou ter que tomar decisões, com toda a gente contra mim.
Tenho medo e saudades. Tenho medo e inveja. Tudo à minha volta está tão bem, são todos tão felizes, são todos tão puros, têm todos aquilo que querem, são aquilo que querem e agradam às pessoas que lhes fazem falta, que os amam. Eu não. Eu, com todas estas minhas fantasias, pensamentos obscuros e ideias fixas, não consigo fazer com que as pessoas gostem de mim pelo que sou, pelo que quero ser. Não consigo mudar e ser como todas as outras pessoas, perfeitas espiritualmente, sãs psicologicamente.

E, de repente, tudo à minha volta se torna tão bom, tão simples e maravilhoso. De repente, percebes que o mal está todo em ti e o melhor é desistir, sem olhar ao quê, mas sim desistir. De repente, és só tu e o tempo, uma luta constante. De repente, és tudo aquilo que os outros queriam e, finalmente, recebes o certificado de derrotada. De repente, já não és ninguém. De repente, és só tu.

Joana Lima, 2CISP



segunda-feira, 15 de junho de 2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

À Conversa com... Olga Prats

Alunos da EPMVC - Muito obrigado pelo Recital de Música de Câmara “ARTE E EMIGRAÇÃO”, que nos proporcionou conjuntamente com Alejandro Erlich Oliva. Estamos também muito agradecidos pela Masterclass ministrada, onde aprendemos bastante e nos sentimos muito acarinhados. Consideramos que foram experiências muito importantes na nossa formação enquanto futuros músicos.



Iniciou os seus estudos de piano com o professor e pedagogo João Abreu e Motta aos 6 anos. Aos 13 anos (1952) - idade de muitos dos atuais alunos da EPMVC - dá o seu primeiro concerto no Teatro Municipal São Luís, em Lisboa. Quer partilhar as recordações que guarda desse dia e o que interpretou?

Olga Prats - O professor João Abreu e Motta também foi professor da minha mãe e tinha escola francesa (foi aluno de Alfred Cortot). A 5 de maio de 1952 (fez agora 63 anos) dei o meu primeiro concerto e desse dia recordo as coisas mais extraordinárias.
Recordo, por exemplo, a roupa que levava: tratava-se de um vestido de tafetá cor-de-rosa com uma fita de veludo preto na cintura. Vesti meias de crochet feitas pela minha avó e uns sapatos pretos de verniz. Tinha no cabelo uma fita de veludo preto.
Eu estava muito contente, muito satisfeita por estar assim vestida mas tinha por baixo do vestido uma saia de tafetá armada que me picava nas pernas.
Outra coisa que ainda lembro é o programa. Foi um recital enorme: era uma Suíte Francesa de Bach (com três partes) e uma Sonata de Beethoven em Fá sustenido (com dois andamentos). Depois, na segunda parte, toquei as Cenas Infantis de Schumann e, na terceira parte, uma peça de Francine Benoît (Cantares de Cá), Cubana de Manuel de Falla, o primeiro Arabesco de Debussy e a Sonatina de Bartók. Ainda toquei dois ou três extras: Schumann (penso eu), do Álbum da Juventude.
Para mim, era uma satisfação saber que o meu professor estava lá a ouvir-me e lembro-me de sair do piano e ir a correr ter com ele (esfregando as mãos de contente) e perguntar-lhe como correu. 
Lembro-me também de ter pedido à minha mãe para me fazer um prato e uma sobremesa que eu adorava e ela fez tudo o que lhe pedi. Lembro-me de tudo isso… até do sabor e do cheiro dessa refeição.
Foi uma tarde linda. Encheram-me o palco de flores e ofereceram-me chocolates. Depois do concerto eu estava numa enorme euforia.
Nunca mais esqueci as sensações do que vivi nesse dia.



Alunos da EPMVC - Sabemos que seguiu para o Conservatório e mais tarde, já a nível superior, foi para Colónia, na Alemanha. Conte-nos um pouco sobre o que viveu nessa altura e que poderá ser importante para os alunos que estão a terminar os seus estudos na EPMVC e foram admitidos em prestigiadas escolas europeias.

Olga Prats - Na altura eu tinha 18 anos e é um pouco difícil reportar-me a tantos anos atrás. Eu saí de Portugal no final de 1957, estive na Alemanha quase 4 anos. Fui para Colónia com uma Bolsa do Estado Alemão e outra do Instituto da Alta Cultura. Eram bolsas relativamente pequenas (eu não tinha muito dinheiro), mas a bolsa do Estado Alemão pagava-me o lar onde eu passei a morar e que era ótimo (só que não tinha piano) e pagava as propinas, que eram muito caras.
Além disso, tínhamos um seguro de saúde muito bom. No entanto, senti algumas dificuldades porque cada marco alemão correspondia a sete escudos e por isso eu tive de gerir muito bem o meu dinheiro.
Mas a minha maior necessidade era estudar e por isso comecei a fazer uma coisa profundamente errada: saía do lar ainda de noite, às seis da manhã, para apanhar um autocarro para chegar à Escola de Música e me pôr na fila para ter um piano para estudar e só se podia estudar duas horas em cada piano. Eu chegava a estudar oito horas por dia.
Eu não sabia como haveria de conseguir preparar todo o reportório que me era exigido e deixei de fazer as refeições convenientemente e, por isso, ao fim de três meses tinha aumentado muito de peso.
Com a ajuda da Fundação Calouste Gulbenkian, que me começou a dar um subsídio e depois uma bolsa, eu já pude alugar um piano e fazer um estudo mais regular e uma vida mais saudável. Até aí, o fim de semana, por exemplo, era para mim uma aflição por não poder estudar.