Amor Eterno
Estava escuro. O sol ainda não nascera. Ao som das ondas, esperava a
poveirinha pelo amado, que prometera chegar ao nascer do sol.
Encontrava-se sentada na areia gelada, trajava uma camisa branca e um
colete vermelho, usava uma saia de branqueta e, à vista, estava o saiote de
pano vermelho e com o orgulho mostrava “o listrão” (o símbolo do amor), que
todo o pescador que “arribasse” à Galiza trazia para a sua amada. Quando o
barco chegava à Póvoa de Varzim, o namorado gritava bem alto, com o braço no ar
e com o “listrão” bem à vista. A amada corria para ele, arregaçava a saia e, na
presença de toda a comunidade, apertava o “listrão” galego, sinal que o namoro
tinha futuro.
De terço na mão rezava para que chegasse “bibinho da silva” e recordava
todos os momentos vividos com o seu amado, em especial, o da primeira faina
depois de assumir o “pregão”. Ele levou um lenço branco da sua poveirinha,
quando voltou da pesca, ao entrar na barra colocou uma vara na proa e
dependurou o lenço da sua amada, para que todas as pessoas soubessem que estava
prestes a realizar o seu sonho de amor.
Ao nascer o sol, como prometera, estava o barco a entrar na barra e ele
berrou “ Alá arriba” e todas as pessoas corriam a ajudar. O seu amado pescador
empurrava pelas costas da embarcação, com a ajuda dos outros homens, para que o
barco subisse, e as poveirinhas substituíam os troncos por onde a embarcação
deslizava e o mestre, seu esposo, berrava “Alá arriba” que significa força para
cima.
Do barco “Amor eterno”, agora em “terra firme” e a salvo, saiu o pescador
que foi de encontro a quem o esperava e beijou-a sorrindo, pois sobrevivera a
mais uma noite no mar, encheu o cabaz de peixe e lá vai a sua poveirinha de
cabaz à cabeça, descalça, com o xaile enrolado à cinta, que marcava o ritmo das
ancas. Na sua marcha apressada, apregoava a “sardinha bibinha” a sua voz
cristalina entoava pelas ruas da Póvoa.
A poveirinha é uma mulher desinibida que desempenha com êxito as funções
que noutra sociedade cabem ao homem, como o marido passa muitas horas no mar,
fica impossibilitado de resolver alguns problemas familiares e, então, a esposa
assume o papel de cabeça de casal.
No início da tarde, fazia a “obrigação do marido”, ajudando-o a levar as
redes para casa, consertá-las e tingi-las.
Anoitecera na Póvoa, a poveirinha fora dormir cedo ao lado do seu amado,
pois ele teria de partir dentro de poucas horas.
Estava uma “morrinha” e o mestre observou o tempo, deu ordem para partirem
em direção à lua cheia que iluminava a noite e o rumo da embarcação.
Ao longo da noite, o tempo piorava. O vento enfurecido empurrava a chuva,
assobiava como um louco, as ondas devoravam as rochas da praia e a trovoada
enchia de pânico a poveirinha que acordava em sobressalto. Aflita, pegou nas
velas e correu para a “Igreja da Lapa” que em tempos de incertezas ou
insegurança, tinha a porta encostada de noite ou dia, para que as pessoas
pudessem rezar pelos seus familiares e colocar velas acesas aos santos da sua
devoção, implorando a proteção dos pescadores. Ajoelhada em frente da Senhora
da Assunção, de olhos marejados de lágrimas, pedia à grande madrinha e
protetora dos pescadores pela vida do seu homem.
Ao amanhecer, lá estava ela sentada na areia esperando o “Amor eterno” que
traria o seu esposo e os outros pescadores. De terço na mão, rezou durante
horas e horas, esperou, esperou…. Por quem nunca mais voltou.
Esta é a história de um casal de pescadores que veem no mar um companheiro
de trabalho, um fiel amigo onde depositam a esperança de uma vida melhor e,
quando menos pensam, este destrói um grande amor.
O pescador é um homem corajoso que enfrenta o mar com garra e uma força
inigualável, lutando para sobreviver e sustentar a sua família. Sempre se
afirmou que “por detrás de um grande homem está uma grande mulher”, não devemos
esquecer daquelas que, com o seu suor e lágrimas, contribuíram arduamente nesta
saga da pesca. Trabalho, dedicação, sofrimento e eis que a alma singela de uma
mulher contribui para a nobreza e reconhecimento do trabalho do homem.
Ser pescador é ser um orgulho, é ser um herói.
Carlos Torre, 2º CICT, 1º prémio
Entraste em mim
Entraste em mim
E fomos vida um do outro.
Tudo porque a magia do teu olhar
Entrou pelos meus olhos
Até ao fundo do meu coração.
Tudo porque o som da tua voz
Encheu os meus ouvidos
E preencheu todo o meu corpo.
Tudo porque o teu perfume
Invadiu o meu nariz
E fazia-me sorrir, pois sentia-te por perto.
Nada, apenas porque perdi o retrato que me deste
Se soubesses como ainda conheço cada pedacinho de teu rosto,
Hoje não teríamos de dizer nada!
Hoje, nada. As coisas que fazias
Eram rudes demais para mim
E meu amor era infeliz.
Mas não esqueci nada
Porque tu entraste em mim e jamais saíste.
André Rocha, 2º CISP, 2º prémio
Não me orgulho de ser assim. Este modo de viver torna a minha vida numa
paleta de cores que a vida não tem.
Corroem-me pensamentos profundos que não fazem sentido, que me fazem parar
no tempo.
Consomem-me mentiras do passado, receios do futuro, revolta do presente.
Perturba-me ser mais um, um mero ser humano, que se alimenta de sonhos, de
esperança, que não fazem sentido.
Recordo-me de ter alguém a dizer-me para ter cuidado com a realidade, para
acordar a tempo, pois quanto mais demorarem os sonhos a abandonarem a minha
alma, maior será o abismo e o buraco onde cairei será cada vez mais fundo.
Infelizmente, conselhos como esses vieram tarde demais e, neste momento,
não é possível sair do buraco obscuro a que chamo vida.
Dentro de mim há uma imensa mágoa por ser quem sou, há dor, vazio,
desilusão em todos aqueles que me ajudaram, mesmo sabendo que aquele não era o
caminho.
Estou insípida de ainda haver um mundo desconhecido dentro de mim.
Hoje percebo que sorrisos são disfarces daqueles que ainda não abriram os
olhos e que ainda nem sabem o que são, nem sabem de que são os sorrisos, do que
são feitos. Posso afirmar que são feitos de falsas esperanças, de uma falsa
realidade. Esses mesmos sorrisos que ainda vivem na esperança e expectativa de
uma mudança na sociedade.
A atual sociedade não quer saber dos problemas dos outros, simplesmente
quer ser feliz, individualmente, e a isto chamo pura realidade.
Já pensei demasiado nos outros, já mantive confiança a mais nos outros. A
esses demostro a minha sincera gratidão e, neste momento, um pedido de
desculpas. Este pedido é, simplesmente, porque vou abandonar todos aqueles que
já me fizeram bem mal.
Vou seguir em frente na indefinível esperança de um dia mais tarde ser
feliz, com as minhas próprias decisões. Se com auxílio não fui capaz, na
solidão tentarei.
Não esperar pela situação dos outros. Não esperar pela definição da minha
vida dada por parte dos outros.
Até para desistir é necessário ter coragem, e demorei algum tempo para
conseguir ser egoísta suficiente para perceber o mundo em que vivemos.
Viver assim tem sido uma aflição, tem sido rude.
Se, neste momento, alguém me quiser seguir, se alguém gostar de mim assim,
aí perceberei o que andei a perder, tempo e tempo infinitos.
Mas, no final, limitamo-nos a ser humanos. A incerteza do amanhã persistirá
sempre. A incerteza da decisão tomada persistirá sempre.
Buscar caminho na incerteza é o maior desafio, pois as vicissitudes são
imensas e não há certezas, só incertezas. Mas é a isto que se chama viver. A
vida é uma meada que se enrola, desenrola, e volta enrolar... Parece que estamos só a enrolar,
mas estamos a construir um novelo.
Joana Lima, 1º CISP, Menção Honrosa
A Idade de Ser Feliz
Existe somente uma idade para ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-los
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para nos encantarmos com a vida
e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que podermos criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na nossa vida
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.
Hilton Costa, 2º CICT,
Menção Honrosa
O Enigma
Quando se arruma o sótão
encontra-se de tudo! Fotografias antigas, brinquedos perdidos... Enfim, há de
tudo! Mas desta vez foi diferente... Não encontrei brinquedos nem fotos, mas
sim um caixa... Uma caixinha pequenina, cheia de pó… Mas aquilo que nela me
chamou mais a atenção foi o facto de estar trancada!
Desci as escadas num ápice, até que me deparei com o meu padrasto. Este é
um homem frio, distante e não é de grandes falas, enquanto que a minha mãe...
Bem, a minha mãe era uma mulher afável, meiga e muito doce. Lembro-me pouco
dela. Apenas restam umas memórias vagas, pois ela falecera num acidente de
aviação e foi o meu padrasto que ficou, desde então, com a minha guarda.
Mal ele viu que eu encontrei aquela misteriosa caixa gritou comigo. Disse
para eu nunca mais ir à sua procura e até mesmo para não voltar a falar sobre o
assunto... Nem uma única palavra!
Óbvio que não iria desistir, o que poderia estar dentro daquele pequeno
cofre? Que segredo, que tesouro escondido?
Nessa noite mal dormi, só pensava no que lá poderia estar, vinha-me tudo à
cabeça! Não aguentei mais! Aproveitei a saída do meu padrasto para procurar a
caixa. Revirei a casa toda e nada! Fui ao quarto dele e nada! Até procurei na
casa de banho, mas sem sucesso. Aquela maldita não aparecia, por mais que a
procurasse. A única opção era enfrentar a pessoa a quem querem que eu chame
"pai", perguntar-lhe o porquê de não poder saber o enigma que aquele
objeto escondia. Estava confiante que o ia fazer, mas, chegou a hora, e nada, faltou-me
coragem!
Lembrei-me então da minha avó materna, talvez ela me pudesse ajudar ou
desvendar algum possível mistério. Eu suspeitava que aquela pequena caixa fosse
da minha mãe, pois era bastante feminina. Falei com ela e mostrou-se muito
atrapalhada, não sabia o que dizer... Apenas me disse que não devia insistir em
abri-la para o meu próprio bem! Bem, ao ouvir isto comecei a ficar preocupado.
Como é que uma caixinha me poderia causar mal?
Falei também com a minha tia e perguntei-lhe se aquilo era da minha mãe. Ela
só me respondeu para esquecer essa caixa, para fingir que nunca a tinha visto,
também para meu próprio bem.
A coisa começava a ficar séria,
tanta gente a dizer para esquecer, para não me aproximar. Óbvio que um miúdo
como eu não ia desistir! Tentei recordar-me onde escondia os meus segredos, as
coisas que eu encontrava e não queria mostrar a ninguém! E cheguei a uma
conclusão. Como não me tinha lembrado antes? Quando era muito pequenino eu
escondia tudo no jardim, dentro da casota do meu cão. Pensei nunca mais lá
voltar, pois a morte do meu melhor amigo foi um choque. Se calhar foi por isso
que o meu padrasto escondeu lá a caixa, pensei.
Corri até a casota e parei, pensei que tinha de ser! Tudo dependia de mim,
coragem e força era a única coisa que eu precisava. Entrei. Comecei a
lembrar-me das brincadeiras que tivera com o meu fiel amigo, de todos os
momentos que passara com ele. Continuei em frente e avistei a caixa um pouco
coberta de terra. Só falta abri-la. Mas como?
Fui para o meu quarto e escondi aquele pequeno tesouro. Tentava desvendar
aquele problema. Entretanto, o meu padrasto chegou e reparei num pormenor que
até aquele dia me tinha passado despercebido: no seu porta-chaves havia uma
pequenina chave. Seria a tal? Seria aquela que iria acabar com este mistério
todo?
Anoiteceu. Já todos dormiam, menos eu, tinha de acabar com isto! Fui até á
porta, peguei no porta-chaves e subi as escadas em pezinhos de lã. Estava
quase, meti a chave na ranhura e respirei fundo e... Abriu! O pesadelo acabou.
Dentro daquela pequena caixa encontrei um livro, um livro muito velho. Abri-o.
Tinha uma foto de um bebé e de uma mulher. Não sabia de quem se tratava. Mas só
podia ser: eu e a minha mãe! Era o diário dela. Era nele que ela depositava
todos os sonhos e planos que tinha para nós. Li o livro com muita curiosidade,
os seus projetos para nós os dois, os seus objetivos de vida, os seus sonhos.
Após ter concluído a leitura pensei: "porque será ninguém queria que
encontrasse o diário?" E rapidamente cheguei a uma conclusão! Ninguém
queria ferir os meus sentimentos. Não queriam que revivesse o passado, queriam
que eu esquecesse e seguisse em frente, mas, acima de tudo, eles não queriam
desenterrar as memórias, as lembranças que tanta dor lhes causara.
No final, o diário tinha uma nota da minha mãe para mim, que dizia:
"filho se um dia chegares a ler isto é sinal que o meu corpo já não está
presente, mas a minha alma estará sempre junto de ti nos bons e nos maus
momentos. Só quero que saibas que fiz tudo para que fosses feliz e que também
eu fui muito feliz ao pé de ti e do teu pai. Tenho um amor eterno por ti. A tua
mãe!”
Desmanchei-me em lágrimas, uma simples frase fez-me sentir que afinal não
estava só. De repente, senti uma mão a tocar-me no ombro. Era o meu padrasto.
Olhou-me nos olhos de uma forma como eu nunca tinha visto e disse que estava
tudo bem. Foi nesse momento que senti que afinal não era um homem frio, aliás
era um homem muito sentimental, só não o sabia demonstrar. Levantei-me e corri
para os seus braços e prenunciei a palavra que nunca pensei dizer. Chamei-lhe
simplesmente PAI.
Isa Tavares, 2º CISP, Menção Honrosa