segunda-feira, 2 de março de 2015

Vidas com Música - Carlos Tony Gomes



Durante os dias 16, 17 e 18 de fevereiro de 2015, na Escola Profissional de Música de Viana do Castelo, decorreram Cursos de Aperfeiçoamento Artístico (Masterclasses) dos seguintes instrumentos: Contrabaixo (António Augusto Aguiar), Flauta (Jacques Zoon), Guitarra (Pedro Rodrigues), Saxofone (Fernando Ramos), Viola-d’arco (Paul Wakabayashi), Violino (Zofia Kuberska-Woycicka e Pedro Rocha) e Violoncelo (Carlos Tony Gomes).

O violoncelista Carlos Tony Gomes deu a seguinte entrevista ao “Folha da Música”:





1. Como descreveria o seu regresso à Escola Profissional de Música de Viana do Castelo (EPMVC) onde despontou como músico? Que sentimentos/emoções viveu nestes dias?

Vivi um misto de emoções ao regressar à EPMVC. Os dias que antecederam a minha chegada foram vividos com alguma ansiedade e nervosismo, por ter em mente a importância que a instituição, os funcionários e seus professores tiveram no meu percurso. Imaginar o meu primeiro professor (que me “suportou” durante seis anos (riso!)) presente na minha masterclass, foi sem dúvida um grande anseio. A minha preocupação principal foi corresponder às expectativas que ele e os alunos estavam a depositar em mim.
Contudo, não havia razão para nervosismos porque fui acolhido muito calorosamente e a masterclass decorreu de forma agradável e entusiasta. Foram três dias de intenso trabalho, onde pude conhecer alunos muito interessantes e interessados, com momentos divertidos à mistura.





Para mim, foram três dias fantásticos, que me permitiram adquirir novas ferramentas enquanto músico e professor. Espero ter superado as expectativas dos alunos, ter ajudado nas suas dificuldades e sobretudo ter transmitido um pouco do entusiasmo com que vivo diariamente, através do violoncelo e da música em toda a sua plenitude.


2. O que significou para si e para o seu percurso profissional, a passagem pela  EPMVC?

Teve um enorme significado. Foi na EPMVC que decidi fazer carreira como violoncelista. Olhando em retrospetiva, foram seis anos intensos, com muitos altos e baixos, inserido numa comunidade fantástica que ajudou a construir e a traçar o meu caminho e o meu “eu” como músico e como pessoa.





A EPMVC proporcionou-me uma juventude muito sui generis, pela panóplia de concertos e eventos em que participei, contactando com diferentes públicos e reações distintas, com várias viagens pelo distrito e experiências musicais de várias ordens. Enfim, o trabalho necessário para evoluir e conseguir o reconhecimento dos pares, os melhores resultados e a excelente sensação de dever cumprido. 





A EPMVC foi para mim e para muitos outros uma ótima fonte de conhecimento, experiência e preparação para a vida! 
Gostaria de evidenciar que, numa cidade como Viana do Castelo, onde não existe significativa produção cultural de cariz erudito, considero que a EPMVC teve e continua a ter um papel importantíssimo, promovendo a vida cultural da cidade. A Escola proporciona aos Vianenses a vivência da cultura erudita (a música “clássica”), procurando incutir nas pessoas, nos seus gostos pessoais e nos seus hábitos culturais este género de música, que não experienciariam se a EPMVC não “fosse até eles”. 

3. Que diferenças encontrou, comparativamente ao período em que aqui estudou, na forma de trabalhar, nesta nova geração de alunos?

Penso que na sua essência, a Escola mantém a mesma forma de lecionar, com todo o rigor e profissionalismo por parte da Administração e por parte dos professores, o que é um ótimo sinal para os alunos e para o seu futuro musical.
Numa forma geral, no que diz respeito aos alunos, penso que temos gerações excecionais, muito inteligentes e capazes, mas apresentando uma enorme falta de vontade de trabalhar e até alguma apatia. Trata-se de algo estranho e contraditório, pois atualmente eles têm maior facilidade no acesso à informação e ao conhecimento que necessitam, presencialmente (nas escolas) e à distância (através das novas tecnologias da informação). Acho que não estão a aproveitar devidamente as oportunidades daí resultantes.
Contudo, há sempre aqueles alunos que se destacam, que “puxam” e “arrastam” os colegas menos motivados, o que é muito importante para cada classe e eu vi um pouco dessa estrutura nesta masterclass.

4. Tendo em conta a sua abrangente e diversa experiência musical, que tipo de reportório prefere tocar? 

Isso acaba por ser pergunta difícil de responder. Como já referi anteriormente, sinto paixão pela música em toda a sua extensão.
As minhas experiências passam pela música erudita, variando entre repertório para violoncelo e orquestra, mas também, num panorama diferente, mas não menos importante, a música que vivencio com Rodrigo Leão, com quem tenho o privilégio de partilhar os palcos do mundo e com tenho oportunidade de trabalhar como instrumentista e orquestrador.





Tenho uma enorme dificuldade em decidir onde inserir este estilo de música (risos), pois vai “beber” a vários estilos, mas a nuance da música erudita está sempre lá. 
Seja como violoncelista, maestro ou até orquestrador, tenho um enorme prazer naquilo que faço, uma vez que, para mim, a música é um dos motores da arte e da cultura nacional, é também um forte impulsionador da economia e um gerador de emprego. Infelizmente, nos dias de hoje, este sentimento não é muito partilhado, mas procuro incuti-lo sobretudo nos meus alunos e nos seus pais, provando-lhes que a profissão de músico é um trabalho sério e árduo, que envolve muitas exigências e sacrifícios, mas também recompensas e reconhecimentos.

5. Que conselhos gostaria de deixar a todos os jovens músicos que querem prosseguir estudos e têm o sonho de se tornarem músicos profissionais?

São com certeza os mesmos conselhos que ouvem dos seus professores diariamente: trabalho, trabalho, trabalho e... trabalho! É inevitável. Para se fazer seja o que for, é preciso trabalhar e usar todas as nossas capacidades e competências. Procurando uma analogia muito clara para os mais novos: “até para se estar sentado em frente à TV/computador a jogar é necessário destreza, raciocínio e paciência para conseguir passar os vários níveis!”
Para ser-se músico profissional é necessário investir primeiro na educação, ou seja, investir em muitas horas de estudo e de aulas e muitos cursos de aperfeiçoamento artístico, workshops e masterclasses, até que dominem um instrumento de forma satisfatória. Também é necessário aprender a saber estar em palco (seja qual for a sua dimensão) e saber estar perante o público. 
Na nossa arte, tal como noutras, precisamos ter paciência, calma, organização e sermos metódicos em tudo o que estudamos, mas sobretudo pensar na “chama” que nos liga à música, que nos motiva e empurra para o nosso objetivo.
Como em tudo na vida, também ao longo do nosso percurso, é preciso uma boa dose de sorte, mas, para mim, a sorte surge do trabalho, por isso, é preciso trabalhar arduamente e insistentemente para conseguir participar no máximo de masterclasses nacionais e internacionais, participar em concursos, partilhar experiências nos estágios das orquestras juvenis, concorrer e participar nos mais variados festivais que existem pelo mundo. Só assim poderão surgir as oportunidades que nos podem levar a viver algo extraordinário.


Recorda-se que Carlos Tony Gomes estudou na Escola Profissional de Música de Viana do Castelo (EPMVC) com o professor Iminas Kucinskas (entre 1997 e 2003). Frequentou masterclasses com Márcio Carneiro, Pieter Wispelwey e Valentin Berlinsky, entre outros. Licenciou-se na Academia Nacional Superior de Orquestra e fez Mestrado na Universidade de Évora com os professores Paulo Gaio Lima (Violoncelo) e Paul Wakabayashi (Música de Câmara).
Apresenta-se regularmente com a Orquestra Metropolitana de Lisboa e a Orquestra Sinfónica Portuguesa. Tocou em algumas das mais prestigiadas salas como o Coliseu dos Recreios e o Teatro Nacional S. Carlos (Lisboa), a Casa da Música (Porto), Petit Palau (Barcelona), Barbican Center (Londres), Is Sanat (Istambul) e LG Arts Center (Seul), entre outras.
Concluiu com a máxima distinção o curso de Direção de Orquestra no Conservatório Rayonnement de Lille (França), sob a orientação do Maestro Jean Sébastien Béreau.
Tem vindo a colaborar com vários músicos nacionais e internacionais, destacando-se os músicos portugueses Rodrigo Leão e Dead Combo.
Atualmente leciona as disciplinas de Violoncelo e Orquestra no projeto de Ensino Integrado de Música na Casa Pia de Lisboa.