O Segredo de Salazar
01h53 - Praça da República, Viana do Castelo. Um homem de capa negra esconde algo misterioso dentro do chafariz. Uma rapariga de 16 anos vê-o e este corre entre as sombras da noite, na escuridão profunda de uma viela que dá diretamente à avenida. A rapariga entra em pânico, com o medo à flor da pele. Repara que não está ali mais ninguém a não ser ela e os habitantes das casas que dormiam profundamente.
Algumas horas mais tarde, está todo um aparato policial montado na praça da república. É verificado pelo INEM o estado de saúde da testemunha. Pouco depois chega um detetive da PJ, que, de relance, observa todo aquele quadro, chama-se João Azevedo, um detetive famoso, pois era conhecido por resolver todos os casos que investigava, tendo sido encarregue,
de imediato, de investigar este. Vê
a testemunha e decide avançar para ela, para a interrogar:
-Como
se chama?
-Inês,
Inês Quesado.
-Pode
relatar o sucedido, o que testemunhou hoje de madrugada?
-Estava
bastante escuro, apenas estavam os candeeiros das ruas acesos. Eu vi uma sombra
perto do café “Caravela”. Pela estrutura física, pareceu-me ser um homem. Ele
estava a levar um objeto que me pareceu ser um baú. Quando ele reparou em mim,
atirou a caixa para o chafariz e desatou a correr, mas a forma como ele
corria... parecia que estava com a perna ferida e, se bem me lembro, quando ele
ia a correr, deixava sangue por onde passava. De certeza que era dele, mas esse
é o vosso trabalho.
O
detetive foi investigar o local onde o sujeito, segundo a testemunha, pôs uma
caixa em forma de baú. Tirou o seu casaco de cabedal e arregaçou a manga da
camisa. Pôs a mão na água do chafariz e tirou um pequeno baú metálico,
enferrujado pelo tempo. O detetive abriu a caixa e viu uma bomba-relógio.
Imediatamente, mandou parar tudo e pediu ajuda aos agentes da polícia para
evacuar quem estava na praça. Enquanto isto, reparou que havia bastante sangue,
que, num rasto fino, partia do chafariz em direção aos Paços do Concelho. João
teve sangue frio, recolheu uma amostra e, juntamente com a tampa da caixa,
enviou para o laboratório para serem analisados.
De
repente, recebe uma chamada de um número anónimo:
-Você
cometeu um erro muito grande, detetive.
-Quem
fala? O que está a dizer?
-Essa
bomba tem um segredo que nenhum técnico do mundo é capaz de desvendar. Não pode
e nem quero que seja. O mundo depende do meu ato.
-Onde
se encontra? Exijo que se entregue. Não posso deixar que um louco como o senhor
ponha em causa vidas e o património.
-Nunca
me encontrará, detetive. Nada do que fizer servirá para resolver esta situação.
Adeus.
O
telefone desliga-se e o detetive sente-se amargurado. Não sabe o que fazer ou
como fazer para impedir o desastre. Anda em círculos, em volta ao chafariz,
aguardando que a equipa de desminagem chegue para desativar a bomba. Está junto
ao edifício dos Paços do Concelho, quando o seu telefone toca novamente. Vê
pelo número que é do laboratório da perícia da judiciária:
-Então,
descobriram alguma coisa?
-Sim
detetive, uma coisa muito importante e muito estranha. Acredita na vida eterna?
-Não!
Porquê?
-Após
termos analisado a caixa, conseguimos identificar uma impressão digital.
Adivinhe de quem.
-Se
eu tivesse poderes para adivinhar era vidente e não detetive.
-Pronto,
tudo bem, não se ofenda. É que, tal como lhe estava a dizer, a impressão
digital é de alguém que supostamente já não está entre nós.
-Quem?
Desembuche, homem!
-A
impressão digital é do antigo ditador Oliveira Salazar.
-O
quê? Não é possível!
-Sim,
e as coisas ainda ficam mais estranhas… é que pela análise do ADN do sangue do
suspeito, este tem um grau de parentesco com Salazar.
-Parentesco?
-Sim,
para ser mais preciso, estamos a falar de um filho.
-O
quê? Mas isso é impossível! Salazar nunca casou nem teve filhos! É muito
estranho.
O
detetive, depois de receber esta notícia chocante, apercebe-se de uma luz
azulada vinda do edifício dos Paços do Concelho. Era pequena, mas o
suficientemente forte para se perceber que estava em movimento no interior
escuro do edifício. Decide investigar e repara que numa das portas laterais,
estão caídas algumas gotas de sangue. Com os dedos, toca-lhes e sente o seu
calor. É sangue ainda fresco – o suspeito deve estar, então, no interior! De
pistola em punho, entra de rompante no edifício e dá de caras com um sujeito de
óculos escuros, sentado à beira de dois gigantones. Antes que consiga dizer
alguma coisa, o homem dirige-se para o detetive:
-Olá
detetive. Estava aqui, mas conseguia ouvi-lo a falar sobre algo acerca de
Salazar. Acredita em fantasmas?
-Quem
és tu?
-Eu
sou Ricardo Salazar, filho legítimo de António Oliveira Salazar, ditador de
Portugal durante 40 anos.
-Qual
é a tua história?
-Quando
o meu pai chegou ao poder, foi passar uns dias à sua terra natal e conheceu a
minha mãe. Foi apenas uma noite, mas o suficiente para mudar a sua vida para
sempre. Uns meses mais tarde, recebeu uma chamada da minha mãe a dizer que eu
ia nascer. Ele não quis saber de mim e mandou prendê-la no Tarrafal, em Cabo
Verde, sendo acusada de terrorista e comunista. Acabei por nascer por lá e,
pouco tempo depois, a minha mãe faleceu. O seu segredo ficou muito bem guardado
e não foi enterrado com ela, pois, antes de morrer, ela contou tudo à família
que me acolheu, mas que nunca me contaram nada a mim, com medo de serem também
presos. Mas um dia, também essa família sofreu nas mãos da PIDE e a dona
Eneida, que me criou, contou-me tudo, antes de ser levada pela polícia. Foi a
última vez que a vi e, desde então, eu queria-me vingar. E tive o meu momento.
Consegui trabalhar como empregado na casa do meu pai e um dia, sendo ele já
velho, enquanto se sentava, acabou por cair. Cair… toda a gente pensa que a
queda da cadeira foi acidente, mas fui eu que desapertei um parafuso.
O
homem solta uma gargalhada, interrompida pela tosse, enquanto cospe sangue.
-Tu
és louco! Estás detido, mas, antes disso, diz-me, porque colocaste uma bomba na
praça da República?
-Porque
o meu pai, mandou esconder neste sítio, debaixo no solo, um segredo que faria
destruir o mundo! Uma coisa que foi descoberta na selva da Guiné, um vírus tão
mortal que se espalharia em segundos pelo planeta. Eu soube disto, pois quando
ele morreu, fugi e trouxe comigo alguns dos seus objetos. Não liguei muito até
há alguns meses e, enquanto lia o seu diário, descobri o que ele tinha feito e,
ainda por cima, percebi que a caixa do vírus estava programada para se ativar
automaticamente. Eu já não tenho muito tempo, estou a morrer. Deixe-me cumprir
o meu destino e salvar o planeta, detetive!
-Não
seja louco, se de facto o que diz é verdade, deixe isso com os especialistas da
polícia.
-Não,
não há tempo. Quando forem precisamente 9 horas da manhã, a luz, ao atingir o
relógio de sol da esquina da misericórdia, irá ativar a caixa do vírus e a única
hipótese é destruí-la com uma explosão muito forte. Por isso, armei a bomba e
ela só pode ser desativada com uma palavra específica.
-Diz
imediatamente a palavra e eu prometo que és levado para o hospital, para seres
tratado.
-Por
favor, eu faço os possíveis, mas diz a palavra!
-Vou
confiar em si. A palavra é “Mafalda”.
-Boa!
Tomou a decisão certa. Só uma pergunta. Como é que você sabia que era
“Mafalda”?
-Porque
esse era o nome da minha mãe.
O
detetive algemou Ricardo, mas ambos esperaram que os especialistas da polícia
chegassem para desarmar a bomba. Trouxeram ainda uma grua, içaram o chafariz, escavaram
e, de facto, encontram uma caixa forte. Foi levada para uma laboratório e
incinerada.
Ricardo
foi levado para o hospital. Embora preso, sentia-se feliz. Tinha cumprido o seu
objetivo. Tudo acabou bem e a Praça da República, para além de ter várias
histórias, por ter testemunhado um acontecimento importante que envolve
coragem, ficou ainda com mais valor. Agora, muitos turistas vêm aqui, para ver
de perto o chafariz, que passou a ser também o túmulo do vírus mutante que
podia ter destruído o mundo.
João
Carlos
Azevedo, Violoncelo, 1º CBI
Uma Cidade de Paixões
Parecia uma manhã normal
para os vianenses. Estava um nevoeiro pouco habitual, de facto, contudo, o rio não
ultrapassara as margens nem o mar invadira a areia. A cidade acordara calma e
na esperança de ventos de mudança.
Estava sentada, pintava
com tinta-da-china memórias de um passado, onde o céu era azul e o sol raiava,
a praça estava cheia de pessoas que viajavam no tempo, observando monumentos, sentia-se
o cheiro das bolas quentinhas que do Natário saíam e que eram rapidamente engolidas,
deixando o sabor a canela na boca das crianças que brincavam no Caramuru.
Mas, naquele dia, a praça
estava mais triste do que nunca, só estava lá ela, não se sentia o cheiro a
canela e a fila à porta do Manuel Natário era inexistente. Soava o eco dos passos, numa marcha revolucionária cada vez mais próxima.
Ariana arrumava apressadamente as tintas, os pincéis e as telas inacabadas, que,
naquele dia, de inspiração pintara.
Por entre a multidão,
Tiago transportava o seu melhor amigo, que os manifestantes insistiam em
insultar:
- Chega para aí o fogão!
-Nunca vi transportar as
árvores de natal assim…
Ignorar era a melhor solução, os vianenses
não conhecem o contrabaixo, ele já sabia desde que estudou na EPMVC. Arrastado
pela multidão, não se identificava com a mesma, nem sabia o motivo. Simplesmente,
viera dar um recital.
Ela bem tentara escapar,
mas fora engolida pelo aglomerado de pessoas que berravam por uma vida melhor.
Sentia-se perdida, estava em pânico, as tintas que trazia nas mãos já corriam
pelo chão, não tinha braços para tantas telas e questionava-se, por entre os
encontrões, quando se libertaria da confusão da praça.
Começou a correr ou, pelo
menos, tentou, até que chocou com Tiago. Era impossível não o reconhecer, sabia
quem ele era. Nunca o esquecera.
Conheceram-se naquela praça,
numa tarde de setembro que, ainda abençoada pelo sol, estava quente.
Lembrava-se de o ver
passar, de contrabaixo às costas, e sentar-se no mesmo banco de jardim.
Conheceram-se e o amor surgiu naturalmente. As conversas intermináveis cheias
de sorrisos, gargalhadas e uma felicidade de dois jovens profundamente
apaixonados. Corriam livres pela praça, partilhavam uma bola do Natário,
passeavam pelo areal aquecido pelo sol de inverno, viajaram por entre as gotas
da chuva e recordaria para sempre a promessa feita à senhora da Agonia no barco
de seu pai.
Rui era, sem dúvida, um
aluno exemplar e prometia uma carreira musical brilhante. Tinha recebido um convite
para estudar no estrangeiro e não teve coragem para contar à sua amada.
No último dia de setembro,
dia em que faziam três anos de namoro, ele partiu.
Durante um mês, ela vagueou
pela cidade à procura dele: perguntou aos amigos, pediu informações e, na
escola, descobriu que tinha partido, pensando ela, sem deixar mensagens.
De lágrimas a cair pelo rosto,
sentou-se num banco de jardim e com raiva começou a destruir uma por uma, todas
as telas que tinha pintado, enquanto namorava com ele. Até que reparou que, por
detrás da tela que retratava o primeiro encontro deles, tinha uma carta.
Leu, releu-a e voltou a
ler. Tiago pedia desculpa por não ter coragem para se despedir, pois acreditava
que um amor como o deles não morreria dessa forma.
Ela sentia que não era o
fim e todos os dias esperava pelo seu amado naquele banco, pintando os momentos
inesquecíveis vividos com ele. Em cada quadro cravava uma memória, um
sentimento, uma paixão vivida pelos dois e pintada a óleo. Quer o céu chorasse
quer fizesse sol e sorrisse, estava ela à espera que o destino lhe desse uma
segunda oportunidade.
Passada uma dezena de anos
estavam os dois, um à frente do outro. Olhou-o nos olhos e sentiu que era o seu
momento. Beijaram-se e o chapéu que cobria a igreja de Santa Luzia levantou-se e
o sol apareceu.
Como este amor, existiram
muitos que nasceram nesta cidade e entregaram as suas juras de amor à senhora da
Agonia. Se fecharmos os olhos podemos ainda ouvi-las, esta magia prende-nos a
esta cidade e ficamos com ela no coração, tendo vontade de ficar para sempre, pois
“quem gosta vem, quem ama fica”.
Carlos
Alberto Rodrigues da Torre, contrabaixo, 2ºCICT